Review: The Who – Who

Por Roani Rock

Disco definitivo da carreira do The Who. É insaciável, contagiante, essencial e solução para todos os problemas. Melhor comentário que pode ser feito a esse álbum é: escute-o

Roani Rock

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Gravadora: Polydor
Lançamento: 6 December 2019

Mais do que um resgate a boa forma da banda e um Pete Townshend inspiradíssimo, o álbum intitulado apenas como Who, lançado na última quinta feira, trata-se do que o mundo da música necessitava frente a uma enxurrada de sons genéricos e datados.

Lançado no momento certo, não só por conta da formação atual estar mais lapidada, mas por conta do relacionamento interpessoal dos membros originais Roger e Pete, a voz e a guitarra do The Who. Foram 13 anos para o amadurecimento de ideias e consolidação dessas questões.

Ao todo, o novo disco tem 11 faixas (14 na versão deluxe) e conta com produção do guitarrista Pete Townshend ao lado de Dave Sardy (Noel Gallagher, Oasis, Gorillaz, LCD Soundsystem) e Dave Eringa (Manic Street Preachers) que trabalhou nos vocais de Roger Daltrey.

Se vocês já escutaram a frase “em time que está ganhando não se meche” consegue entender o porque desse álbum ter a sonoridade setentista ser tão importante. Com Endless Wire de 2006, antecessor ao Who, eles tentaram trazer uma sonoridade mais moderna com flertes ao passado como o uso de sintetizadores, mas não parecia um álbum inspirado e se quer necessário para aquele momento da música ou da banda, tanto que ficaram esse longo tempo sem lançar novidades.

Keith Moon & John Entwistle

Foi um recomeço pós morte do considerado por tantos o maior baixista de todos os tempos, John Entwistle. Este tinha ainda muita importância não só pela questão sonora mas também nas composições. Zak Starkley assegurou o legado de Moon, principalmente trazendo maior técnica para as intransigentes viradas e loucos compassos. Entretanto, era inimaginável alguém chegar aos pés de Entwistle, que possuía a técnica e a possibilidade de solar sem perder compassos e manter a base. Até encontrarem Pino Palladino.

Com a acertada convocação de Pino a banda conseguiu o que Pete considera como a formação ideal do The Who, já que alegou que com Moon e Entwistle exigia muito dele para manter tudo com um bom fluxo e ritmo. Dadas as cartas na mesa, a banda nesse tempo de adaptação conseguiu os maiores marcos da carreira como ser a última atração do encerramento dos jogos Olímpicos de Londres e o intervalo do Super Bowl.

O The Who também fez uma turnê comemorativa do álbum Quadrophenia e lançou a coletânea The Who Hits 50! em comemoração aos cinquenta anos de estrada e anunciaram que fariam um novo álbum de inéditas. Neste ínterim fizeram uma turnê mundial que os trouxe pela primeira vez ao Brasil. Ao analisar essa jornada é fácil imaginar o que levou o álbum Who ser tão anos setenta.

Revisitar tanta coisa além do Tommy como vinham fazendo, fez ser quase que necessário o título para o álbum destinado a ser lançado em dezembro de 2019, “Who”. A capa é igualmente justificada mediante as músicas. Uma colagem que remete a pop art dos 70’s. Ela foi criada pelo artista Sir Peter Blake, que conheceu o grupo em 1964 durante a gravação de um programa de TV e trabalhou na arte de Face Dances, disco de 1981.

O álbum começa da forma tradicional, uma grandiosa introdução, a voz de Pete surge em sequência repetindo a frase “o que é meu é meu, o que é seu é seu” para começar a poderosa e sádica All This Music Will Fade. Um punch, um direto de esquerda, um gancho de direita, como diria Roger Daltrey no documentário sobre a banda Amazing Journey, “Enquanto as pessoas fazem o acompanhamento de músicas comuns por palmas, com o The Who é mais brutal, com uma mão fechada batendo na outra que ficou aberta.” Dito mais por gestos que por palavras, mas o The Who é bem isso.

A segunda faixa Ball And Chain surpreende por sua temática relacionada a prisão de Guntânamo residida em Cuba e pertencente aos EUA para aprisionar criminosos de guerra. Ela é uma regravação de uma música solo de Pete Townshend chamada “Guantanamo“, lançada em sua compilação de 2015 Truancy: The Very Best of Pete Townshend. É o grande hit do álbum com todas as nuances pertencente ao The Who ao longo dos anos. Um blues potente e de protesto.

Em Guantánamo,
Ainda à espera dos grandes charutos,
Foi uma quebra de promessa,
Ainda culpado sem nenhum custo,
Há uma fumaça na floresta,
E o tumor está ficando grande

trecho traduzido de Ball and Chain

A terceira faixa é I Don’t Wanna Get Wise, é certo que esta é mais uma música cheia de elementos de toda a ‘amazing journey‘ do The Who, se fosse para chutar, diria que teria lugar cativo no Who By Numbers de 1975. Sobre ela Pete deu a seguinte declaração.

Me perguntaram o que acho que Keith Moon e John Entwistle teriam pensado nessa música. Eu imagino que eles precisariam estar vivos para ouvi-lo, de modo que provavelmente – como eu – tivessem envelhecido o suficiente para sofrer por serem sábios na velhice. Acho que nós três teríamos nos reunido em volta da lareira com nossas várias roupas excêntricas (Keith, a essa altura, como papa) e imaginamos o que Roger pensaria sobre isso.

Pete Townshend

Detour, peculiarmente soa como o primeiro disco My Generation de 1965, flertando com o estilo Mod, que se baseava no soul e que o Who difundiu naquela década. Beads On One String é épica chegando ao patamar da doce Pure and Easy do aclamado Who’s Next de 1971, Essa foi feita com o Pete em parceria a Josh Hunsacker. Sem correr por fora, Hero Ground Zero dá lapsos de joias raras do Quadrophenia de 1973 como a linda sea and sand recebendo uma orquestração primorosa.

A faixa I’ll be back é totalmente destoante de tudo que já fizeram. She Rocked My World vem na mesma onda, lembrando algo que Paul McCartney produziria, Distractions talvez. Harmonias de Jazz com várias tetrades. O que de primeira pode causar um estranhamento e fazer com que o ouvinte se sinta obrigado a ouvir as faixas e capitar essas peculiaridades, mas lembrando que Pete tinha pais que eram de bandas de Jazz e sua criação foi basicamente ouvindo este gênero, vai ver que só mais velho foi capaz de fazer isso encaixar no The Who.

John Entwistle e Keith Moon, parecem estar vivos em todo o álbum, o primeiro em especial com sua voz, timbres e na trompa tocada na faixa Got Nothing To prove, que é totalmente Who Sell Out. A letra desta é engraçada pois sugere que enfim Pete aceitou sua fase idosa, só idosos não sentem que precisam provar nada alguém.

Street Song é a música mais bem trabalhada do álbum, cheia de momentos e variações. camada sobre camada, ela explora lindamente todas as qualidades de cada membro da banda. Roger faz um vocal potente e cheio de extensões com um ranger cavernoso, confirmando sua afirmação de que hoje em dia canta melhor que nas décadas passadas.

Até a balada que finaliza o álbum em sua versão deluxe, assim como ocorreu no álbum Endles Wire com a música Tea And Theatre, tem sua magia, mesmo com o título Danny and My Ponies, a letra é tão singela e a melodia tão formidável que intensifica a certeza de que o que conferimos ao longo das 14 faixas é bem fino.

Roger e Pete estão de volta ou esse pode ser o decretar das últimas faixas inéditas que ouviremos pelos dois em parceria. É um álbum na melhor definição da palavra. Um trabalho conciso que chega aos pés das melhores obras da banda, seja as óperas Rock Tommy e Quadrophenia ou Who’s Next. Who é o álbum definitivo dos britânicos já setentões como a década ao qual o álbum mais resgata. Talvez não receba grandes premiações, mas utilizando a razão ao coração considero a obra o melhor disco do ano.

Nota Final: 9,5/10

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