Revisando Clássicos: Pearl Jam – Ten

Por Roani Rock

Bem vindos a mais um revisando clássicos, aqui analisamos discos atemporais que, de alguma forma, marcaram a história da música de maneira revolucionária. Traremos uma introdução ao álbum contando fatos que o fizeram importante para a carreira da banda, um faixa-a-faixa e por fim, citações das principais mídias especializadas em reviews. Hoje vamos falar do álbum Ten do Pearl Jam, um dos definidores do som do movimento grunge de Seattle, a masterpiece dos melhores álbuns de estreia e que está no time que completa 30 anos neste 2021.

INTRODUÇÃO AO ÁLBUM


Em 27 de agosto de 1991, o Pearl Jam iniciava sua caminhada no universo fonográfico ao lançar Ten. Mas, antes mesmo de se tornarem “Pearl Jam“, rodaram bastante pela cena de Seattle até todos se encontrarem e poderem formalizar essa poderosa união. Dá pra fazer uma verdadeira arvore genealógica com a história desses caras. Antes de se unirem definitivamente, Matt Cameron (bateria), Jeff Ament (baixo), Stone Gossard (guitarra), Mike McCreed (guitarra) e Eddie Vedder (vocal) haviam se aliado a Chris Cornell, frontman do Soundgarden, para formar o Temple Of The Dog, que por sua vez foi concebido para homenagear o vocalista Andrew Wood do Mother Love Bone, antiga banda de Ament e Gossard que vinham tocando juntos desde outro projeto chamado Green River. Acredito que seja fundamental falar desses projetos antes de partirmos pro Ten.

Contextualizando, o núcleo efervescente de bandas em Seatlle se conhecia e saia junto com frequência desde o início dos anos 80, funcionava como uma comunidade mesmo, onde todos se ajudavam, compartilhavam experiências e tinham gostos parecidos. Em qualquer esquina em que se passasse e visse um grupo de cabeludos, vestidos em jeans rasgados e camisas de flanela, certamente estaria vendo indivíduos membros de uma banda, mas não necessariamente da mesma. Está na epígrafe do documentário Hype! a frase retirada da revista Spin em uma matéria de 1992: “Seattle é atualmente para o mundo do rock o que Belém foi para o cristianismo!”. Tendo esse exagero em mente, veja o caso do Mother Love Bone: Formada em 1988, a banda contou com membros da Green River, Malfunkshun e do 10 Minutes Warning.

Green River foi um grupo que contou com Ament e Gossard e que tinha ainda em sua formação Mark Arm (vocalista) e Steve Turner (guitarra) que depois formaram o Mudhoney. dela também saiu Bruce Fairweather que foi o substituto de Turner nas guitarras. Essa galera junto ao Soundgarden, The Melvins, Skin Yard, U-Man e o Mafunkshun em 1986 participaram da gravação do compilado Deep Six, lançado pela C/Z Records. A banda antes dessa parceria tinha lançado Come On Down, seu primeiro EP que é conhecido como o marco zero do Grunge. Mas o ciclo da banda logo foi encerrado um ano depois com a ruptura para diferentes projetos após a gravação do único álbum completo do grupo, o Rehab Doll. Justamente por um lado querer o sucesso e o outro se manter no underground.

O Mafunkshun, que participou dessa empreitada entrou em uma estagnada propícia para o carismático vocalista Andrew Wood, que trazia uma popular performance lúdica aos shows e que se sobressaia se filiar a músicos a altura de tornar seu sonho em realidade. No documentário grunge de 1996, o já comentado Hype!, o mitológico engenheiro de som Jack Endino, chamou Wood de “o único comediante de stand-up frontman em Seattle“. Completando o time, Greg Gilmore fez as bateras do 10 minutes Warning que contava com a liderança de Duff McKagan, que logo foi para Los Angeles assumir os baixos do Guns N’ Roses, com a saída do líder ele ficou disponível e assim o Mother Love Bone foi formado.

Wood falava que o Mother Love Bone era “uma salada de fruta de prazeres“, eles conquistaram um bom público e assinaram com a Polydor Records que lançou o elogiado álbum Apple. Tudo ia bem, entretanto, o músico que havia passado por um período de 3 meses de reabilitação, não aguentou, teve uma recaída, e morreu aos 24 anos por decorrência de uma overdose de heroína. Sua morte foi tão sentida que Chris Cornell mencionou no documentário Twenty (2011) do Pearl Jam, que a partida do frontman, da forma que ocorreu, foi a responsável por dar o fim a inocência dentro da cena de Seattle. “Não foi com o suicídio de Kurt, o fim aconteceu ao entrarmos no quarto de Andy que estava respirando por aparelhos“; Com o intuito de homenagear o colega de quarto, o vocalista do Soundgraden fundou o projeto Temple Of The Dog.

Eu escrevi Say Hello 2 Heaven e Reach Down e os gravei sozinho em casa. Meu pensamento inicial foi que poderia gravá-las com os ex-membros do Mother Love Bone como uma homenagem ao single de Andy.

Chris Cornell a revista Spin, 2001

Estes trouxeram o amigo de longa data Mike McCready para as guitarras solo, e completando o time na parte instrumental, veio o batera Matt Cameron, que até aquele ponto era membro do Soundgarden. Cornell escreveu todas as letras e a maior parte das músicas do álbum incluindo a famosa Hunger Strike, mas Gossard contribuiu com três canções de sua autoria: Pushin ‘Forward Back , que ele havia escrito com Ament durante as jam sessions no sótão de seus pais; Four Walled World ; e Times of Trouble , que começou como o mesmo instrumental que se tornou a Footsteps .

Todos os envolvidos com o álbum ainda falam do Temple of the Dog como algo especial, um projeto que veio do coração. Mas, para pelo menos um dos músicos, também serviu como um grande passo para se tornar parte de uma banda séria.

Acho que Temple foi o primeiro álbum completo que McCready gravou. Você quase teve que gritar com ele para fazê-lo perceber que no solo de cinco minutos e meio de Reach Down, era o momento dele brilhar e que ele não pisaria em mais ninguém. Ele começou a gravar o que acabou sendo o solo; na metade, ele ficou tão envolvido que seus fones de ouvido voaram, e ele tocou metade daquele solo sem nem mesmo ouvir a música.

Chris Cornell a Spin, 2001

Paralelo a isso, demos gravadas nessa fase, contendo cinco faixas instrumentais do set deles, foram mandadas a potenciais novos vocalistas para a formação de um novo grupo pós fim dos trabalhos do Temple Of The Dog. Um dos que fez o teste apresentando sua voz para esses sons era ninguém mais ninguém menos que um tímido Eddie Vedder que era apenas um salva-vidas vindo de San Diego tentar a sorte em Seattle.

Eddie Vedder foi venerado, aqueles que viriam a ser seus parceiros ficaram incrédulos com seu talento para compor e a poderosa voz, o que tornou impossível não efetivar ele como o frontman para a nova banda. Fizeram alguns poucos shows com o nome Mookie Blaylock e Cornell impressionado com o que vinha escutando o incluiu no Temple Of The Dog, mesmo só o conhecendo pela voz. O resultado foi melhor que o esperado, até porque foi tão despretensioso que serviu para firmar Vedder no que veio a ser o Pearl Jam e conseguiram de quebra um padrinho de peso para direcionar o vocalista para as grandes performances.

Finalizada as gravações do Temple Of The Dog, os caras já tinham o nome Pearl Jam definido e entraram no London Bridge Studios em Seattle, Washington , em março de 1991 para fazer com o produtor Rick Parashar seu próprio lance, com afinco, pretensões gigantescas e um repertório hard rocker que era bem diferente de todos os trabalhos anteriores em que estiveram envolvidos e que mal sabiam, mas seria eterno assim como a capa do álbum, tão icônica ao mesmo tempo que bagunçada, que mostrava os cinco em contraluz com braços erguidos e unidos com um grande letreiro escrito “Pearl Jam” ao fundo como cenário, que muitos achavam que era uma colagem, mas na verdade foi esculpido a mão em madeira por Ament para a fotografia feita por Lance Mercer. Para quem tem o álbum físico, vale ressaltar que, a foto completa só aparece quando desdobramos o encarte do cd.

Ten vendeu lentamente após o seu lançamento, mas na segunda metade de 1992 tornou-se um grande sucesso, obtendo a certificação de ouro da RIAA. Também neste ano de 92 eles chegaram a parada de álbuns da Billboard em 30 de maio, alcançando a oitava posição. O álbum acabaria atingindo o pico de número dois por quatro semanas. Foi mantido fora do primeiro lugar pelo álbum de Billy Ray Cyrus (sim, o pai da Milley), Some Gave All. O baixista Jeff Ament relembrou, recentemente, à revista Classic Rock que a gravação de Ten custou “apenas” 25 mil dólares (cerca de 22 mil e 300 euros) e o triplo desse valor para ser mixado – “ainda assim, um terço do que gastámos com o disco do Mother Love Bone”, lembra. Então vale dar ênfase por terem vendido mais de 11 milhões de cópias.

Em 1991 as coisas do mundo, da cultura musical do mundo, haviam mudado com um álbum intitulado Ten. E era como um chinook saindo do noroeste do pacífico e vinha com raiva. Apelou para pessoas de vinte e poucos anos que se sentiam deslocadas, desempregadas, deixadas de fora e de qualquer maneira e eu que tinha quase cinquenta anos também estava puto. E era tudo tão fácil de dançar, mas isso é outra história. Então acabou que esses caras do Pearl Jam eram algo a mais que apenas uma banda, eles eram o verdadeiro organismo cultural vivo, eles reconheceriam uma injustiça e a defenderiam, seja direitos humanos, pelo meio ambiente, pobreza… eles iriam se erguer e reagiriam.

David Letterman na indução da banda ao Rock ‘and’ Roll Hall Of Fame, 2017

FAIXA-A-FAIXA

Um faixa-a-faixa se torna conveniente, seguiremos a ordem numérica já que elas todas tem sim a sua importância, não só em termos mercadológicos, mas também para a história dos aqui envolvidos.

Once

Esta foi uma das canções que rendeu a Eddie Vedder o emprego de vocalista do Pearl Jam. Seu conhecido Jack Irons lhe enviou uma demo instrumental de 3 canções gravada por Jeff Ament, Stone Gossard e Mike McCready, que estavam procurando um vocalista para sua nova banda. Em um dia, Vedder escreveu as letras das três músicas e adicionou seus vocais usando um gravador de quatro polegadas. Embora Vedder tenha concebido essa música como a segunda parte da trilogia/miniópera “Momma-Son”, ela foi colocada como primeira faixa do Ten.

A primeira música da miniópera é Alive, que conta a história de um menino que descobre que seu pai é na verdade seu padrasto. Em Once, o menino enlouquece e mata pessoas. No final da música, Vedder resmunga. Ele está dizendo: “Você acha que eu estou de olhos fechados, mas estou olhando para você o tempo todo”. Ela, assim como boa parte das faixas presentes no disco, é creditada a Gossard como compositor principal. Ela começa com uma introdução mais groovada com o baixo de Ament e depois começa a porradaria que traz aquele som diferente e acima da média para os padrões da época.

Even Flow

Esse é o hit que nunca chegou no resultado que a banda queria. Tendo sido regravada duas vezes para sua versão UK e em 1992 para o clipe. Como single no Reino Unido, a diferença vem por parte de Eddie Vedder que grita “Ha!” para começar a música e, no final, diz: “Eu morri, morri e você simplesmente ficou lá. Eu morri e você me observou. Eu morri e você passou e disse: ‘Não, estou morto.’” Esta versão é frequentemente reproduzida por estações de rádio dos Estados Unidos e é a que encontramos no clipe.

Eles foram muito eficientes no estúdio, fazendo a maioria das músicas em apenas algumas tomadas, mas Even Flow foi uma das exceções, exigindo pelo menos 50 tapes. O Pearl Jam era uma banda com bateristas itinerantes, e Dave Krusen, que era o cara das baquetas na época, teve dificuldades com essa faixa. Disse Krusen: “Eles tiveram que editar o meio porque eu estava acelerando no final. Foi apenas um pesadelo.” O Pearl Jam tocou ela pela primeira vez ao vivo no show da banda em 22 de outubro de 1990 em Seattle, no Off Ramp Café e com o tempo tornou-se a música tocada mais vezes pela banda.

Stone Gossard disse à revista Uncut que quando o Pearl Jam tocou ela em um show inicial, o guitarrista do Soundgarden, Kim Thayil, disse que amou a música, que ele erroneamente pensou ser intitulada “Evening Flow”. Ele pensava que era “sobre como a noite simplesmente flui quando todos estão se divertindo”. Já o guitarrista Mike McCready disse a Gilbert da Guitar School em 1995 de onde tirou a inspiração dos solos. “Tentei roubar tudo que sei de Stevie Ray Vaughan e colocá-lo no Even Flow. Um roubo flagrante“.

O baterista Matt Cameron disse ao The Line Of Best Fit que esta é sua faixa favorita no Ten . Ele explicou:

Quando eu estava no Soundgarden e estávamos fazendo Badmotorfinger , Eddie trouxe as mixagens do Ten  para escutarmos e eu me lembro claramente de ter ouvido o refrão de” Even Flow “e de pensar “que é ENORME!”. Tão legal, tem um quê de rock Zeppelin embora tenhamos tocado algumas milhares de vezes desde que entrei no grupo, acho que é a quintessência da música do Pearl Jam. Mesmo que seja tocada, os detalhes dessa música são simplesmente incríveis.

Matt Cameron

Alive

A demo instrumental dessa música foi intitulada Dollar Short. As letras de Vedder foram em uma direção que a banda não esperava, mas eles amaram o que ouviram e rapidamente concordaram que ele deveria ser o vocalista – até porque também não teve concorrência, apenas um outro cara tinha feito o teste. Refletindo sobre como tudo se encaixou tão rapidamente, a banda deu crédito ao momento e ao destino pela chegada de Vedder. Eddie disse que levou 12 horas para escrever e gravar as músicas para a demo, e ele poderia facilmente ter estragado tudo.

O álbum de certo modo é uma reflexão terapêutica de Vedder, tanto que ele em entrevistas revelou que era “uma obra de ficção baseada na realidade“. Alive que é a primeira faixa da que compõe a trinca da miniópera da fita demo Momma-Son fala sobre um menino que descobre que seu pai é na verdade seu padrasto e que seu verdadeiro pai está morto. O refrão “I’m still alive” para ele era uma maldiçãoe abordava seu caso pessoal. Todavia, em um episódio de Storytellers do VH1 , Vedder explicou que a interpretação da música havia mudado, já que os fãs reagiam ao refrão pulando e comemorando – eles ouviram “I’m still alive” como uma coisa positiva, uma afirmação de vida. Disse Vedder: “Quando eles mudaram o significado dessas palavras, eles mandaram a maldição pra longe.”

Poderia fazer parágrafos longos sobre fatos interessantes desse petardo que é talvez o hit mais conhecido do Pearl Jam junto a Black, mas um em especial vem por parte do guitarrista Mike McCready. Ele baseou seu solo virtuoso de guitarra nos que foram feitos por Ace Frehley na música She do Kiss. Em uma edição da revista Guitar Player , Frehley disse que seu solo na faixa usada como base para McCready veio do trabalho de guitarra de Robby Krieger em Five To One, do The Doors. Ou seja, um belo ciclo de influencias.

O vídeo em preto e branco para essa música foi feito de forma barata – menos de 20 mil dólares. Foi filmado em um show do Pearl Jam no clube RKCNDY em Seattle em 3 de agosto de 1991. A banda ainda estava falida, e eles pensaram que gastar muito dinheiro em um vídeo seria estúpido logo no início já que poderia deixar uma dívida com uma gravadora se você não vendesse bem.

Why Go

O Pearl Jam costumava ser conhecido como Mookie Blaylock, uma homenagem ao armador do time de basquete New Jersey Nets. Blaylock era uma estrela na Universidade de Oklahom e foi para o Nets na temporada dos anos 90. Por sinal, eles chamaram este álbum de Ten porque era o número da camisa do jogador. Blaylock jogou 13 temporadas na NBA, tornando-se membro do All-Star team em 1994 e do All-Defensive duas vezes, diriam os fãs que a banda trouxe sorte a carreira dele.

Why Go que é creditada ao baixista Jeff Amment, fala sobre uma garota que é colocada em uma instituição mental, provavelmente contra sua vontade. A letra descreve profissionais médicos corruptos encorajando a doença para que possam cuidar deles de volta à saúde e transformá-los em algo falso, “Outro Clone“. No encarte de Ten, Vedder dedicou a música a uma garota chamada Heather.

Em 1991, Eddie Vedder disse à jornalista canadense Karen Bliss:

Quando você está dentro e não tem controle, quando você é a versão de 14 anos de Frances Farmer, você tem motivos para estar com raiva. Você tem motivos para ficar brava quando seus pais, que são protegidos por serem adultos e terem seu papel, tomam decisões e influenciam sobre o que você deve experimentar em sua vida, o que é normal e o que não é. Então você tem instituições do outro lado, que estão recebendo grandes quantias de dinheiro por meio de seguradoras, diagnosticando seus filhos como inadequados. Isso acontece muito nos subúrbios americanos. (…) Pessoas que não prestam muita atenção aos filhos e não sabem como lidar com eles, simplesmente os colocam em hospitais.

Black

Provavelmente a música mais icônica do álbum e aquela que a banda menos se empenhou para torna-la um sucesso, por conta disso tem um papel fundamental nessa história. Em setembro de 1992, o Pearl Jam já estava decolando, com três singles lançados para seu primeiro álbum Ten: Alive, Even Flow e Jeremy. A Epic Records, filiada a Sony, responsável pela distribuição e marketing, estava quente e pensava em lançar Black como próximo single, uma escolha óbvia, já que estava sendo tocada com frequência e era uma balada que poderia cruzá-los para outros formatos. Entretanto, a banda tomou uma posição firme contra o lançamento, já que Eddie Vedder não queria fazer um vídeo ou ter que passar por mais nenhum processo promocional. Para o vocalista, “eles não tinham composto a canção para isso.”

O guitarrista Stone Gossard, chamava a faixa inicialmente de “E Ballad” antes de Vedder colocar a letra nela. O vocalista explicou no livro biográfico da banda chamado Pearl Jam 20 que essa música é sobre o primeiro relacionamento. 

A música é sobre deixar ir. É muito raro um relacionamento resistir à atração gravitacional da Terra e para onde vai levar as pessoas e como elas vão crescer. Ouvi dizer que você não pode realmente ter um amor verdadeiro a menos que este seja um amor não correspondido. É duro, porque então o mais verdadeiro é aquele que você não pode ter para sempre.

Eddie Vedder

Ela teve sua parte instrumental composta tendo como influência principal o Stevie Ray Vaugham, segundo McCready. Outro fato interessante desta música veio através do discurso de indução da banda ao Rock ‘and’ Roll Hall Of Fame feito pelo apresentador David Letterman que disse que ela é uma das suas preferidas e que ficava escutando por horas o refrão na parte final e que precisou ir a um hipnotizador para fazê-lo parar de fazer o scat singingduhduhduh“, claro que foi uma piada, mas também lembrou da vez que Eddie Vedder foi ao seu programa em 1996 cantar essa parte e com o olhar falou “pare de fazer isso” ao irreverente apresentador.

A versão de estúdio é muito forte, mas a definitiva vem do unplugged MTV que eles gravaram em menos de um ano após o lançamento de Ten, o que fez com que o repertório do show especial ficasse voltado a esse disco. O catalisador para as letras de Tem ficou impulsionado a esta apresentação, algo perceptível ao final da interpretação do grupo em Black, que trouxe uma imersão a um memorial silencioso ao coração partido, Eddie Vedder, cheio de emoção, canta ao final: “Nós pertencemos um ao outro.” Evidentemente, eram palavras que centenas de adolescentes solitários precisavam ouvir.

Jeremy

Jeremy foi o terceiro single americano lançado do álbum de estreia do Pearl Jam, Ten , após Alive e Even Flow. Esta música fala sobre um menino que comete suicídio na escola na presença da professora e dos colegas de classe que o atormentavam. É baseada na história real de Jeremy Delle, um estudante do segundo ano de 15 anos que se matou na frente de sua aula de Inglês na Richardson High School em Richardson, Texas, em 8 de janeiro de 1991.

Eddie Vedder descobriu sobre Jeremy quando ele lia um artigo sobre o incidente no Dallas Morning News , que dizia: “Como ele havia faltado às aulas, o professor de sua aula de inglês do segundo período disse a Jeremy para obter um comprovante de admissão na secretaria da escola. Em vez disso, ele voltou armado, disse a polícia. Ele caminhou diretamente para a frente da sala de aula. ‘Senhorita, eu consegui o que realmente queria’, disse ele, em seguida, colocou o cano da arma na boca e atirou.“.

Em 1993, o vídeo de Jeremy ganhou quatro MTV Video Music Awards: Vídeo do Ano, Melhor Vídeo de Grupo, Melhor Vídeo de Metal / Hard Rock e Melhor Diretor, apesar da tentativa de boicote e problemas judiciais que uma arma aparecer no clipe poderiam causar e ainda, pela editada infeliz que deixa aberta a interpretação de que o jovem do clipe assassina os colegas. Ao aceitar o troféu de Vídeo do Ano, Eddie Vedder disse: “Se não fosse pela música, acho que teria atirado em mim mesmo na frente da sala de aula. Realmente é o que me manteve vivo, então isso meio que é cheio círculos. Portanto, ao poder da música, obrigado. “

O lado B do single era Yellow Ledbetter, uma balada popular que incrivelmente não está disponível em nenhum dos álbuns do quinteto de Seattle. Ela faz uma contraposição a Jeremy que é uma faixa que apesar de poderosa é cheia de carga e dor.

Oceans

Essa música tem umas histórias interessantes sobre sua criação e significados além da parte da gravação que a fez ser a faixa mais “experimental” do álbum e talvez de toda a carreira do Pearl Jam.

O frontman Eddie Vedder explicou depois de uma apresentação no MTV Unplugged: “Essa música foi uma canção de amor que escrevi sobre minha prancha de surfe, não [risos], na verdade era sobre uma pessoa que espero ver amanhã, chamada Beth.” Vedder estava se referindo a Beth Liebling, com quem foi casado de 1994-2000.

Os versos foram concebidos após Vedder ter ficado impedido de aceder à sala de ensaios da banda devido a uma chuva intensa. Em 2009 o músico recordou a Seattle Sound a história em torno desse tema: “Alguém me pediu para ir colocar mais umas moedas no parquímetro. Quando voltei, a porta estava trancada. Tudo o que conseguia ouvir era o baixo. Sempre que os ouvia parar [de ensaiar] batia à porta, tentando fugir à chuva; e enquanto isso não acontecia, pensava ‘que se foda, mas vale escrever algo’

O guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament disseram ao The Line Of Best Fit que esta é sua faixa favorita deles do Ten . Gossard explicou:

Isso provavelmente resume por que eu fico animado com a composição de músicas. É como uma desafinação aberta onde o primeiro acorde é reto e são apenas dois dedos que se ligam e desligam para criar a coisa toda e depois desce uma posição e ele se move de volta. Tem uma pequena mudança, mas também tem três grandes movimentos. O que eu adoro na música são os acordes estéticos; quanto mais simples, melhor e, em seguida, outro conjunto que faz alguma coisa com os acordes originais. É realmente simples o arranjo.

Stone Gossard

Já Ament deu uma visão mais clara:

Quando gravamos, pensei que estávamos indo além e que havia muitos outros lugares onde poderíamos levar a música que fizemos. Eu também gosto de músicas com introdução, que foi um tipo de projeto de arte que fizemos em um dia em que alguém estava doente. É isso que me deixa mais animado, as coisas que estão um pouco fora da nossa zona de conforto. Cada disco que fizemos teve um pequeno índice de projeto de arte. Alguém chegava com a visão de algo louco ou uma maneira diferente de abordar a gravação, composição ou troca de instrumentos. Às vezes, eles falhavam, mas de vez em quando acontecia algo realmente bom que criava uma nova maneira de fazer música juntos. Se nós sentíssemos como se estivéssemos empurrando e as pessoas respondessem de acordo, isso é sucesso para mim.

Jeff Ament

Outro fato muito legal que vai de encontro com a fala de Ament é que o re-mixer da banda, Tim Palmer, é creditado por ter tocado o extintor de incêndio e o “pimenteiro” nesta música. Ele explicou ao Guitar World em dezembro de 2002: “Usei o moinho de pimenta como um shaker e usei baquetas no extintor como uma espécie de efeito de sino. Em cerca de 30 segundos de música você pode ouvir o pepper shaker à esquerda e o extintor de incêndio à direita. É tudo bastante sutil, na verdade. A razão pela qual usei esses itens foi simplesmente porque estávamos muito longe de uma locadora de música e a necessidade se tornou a mãe da invenção.

Porch

Essa faixa é creditada a Eddie Vedder,  ele escreveu Porch enquanto estava a caminho de deixar San Diego para encontrar o resto da banda pela primeira vez. Amada pelos fiéis do Pearl Jam, é uma de suas faixas ao vivo mais populares.

Jeff Ament, relembrou pela revista Uncut em março de 2009 um pouco das gravações do Ten:

Fomos até Michael Goldstone na Sony e dissemos: Não queremos gastar muito dinheiro fazendo esse álbum, queremos sair e tocar, faça da maneira mais confortável, com alguém local. Houve duas sessões no London Bridge em Seattle, provavelmente de um ou dois dias cada, e depois disso nós fomos gravar o álbum propriamente dito, porque tínhamos quatro ou cinco novas canções. Deep, Jeremy e Porch foram provavelmente as três últimas. Acho que fomos em março ou abril [1991]. Ed mudou-se para cá em novembro. Aconteceu muito rápido. Lembro-me de que havia muita neve no chão, o que é muito raro em Seattle. Estávamos presos na cidade, presos em nosso porão. 

Jeff Ament

Esta é uma daquelas canções do Pearl Jam que está muito aberta à interpretação, como Eddie Vedder pretendia. Parece ser sobre a ruptura de um relacionamento, principalmente nestes versos:

Não haverá mais nenhum meio
E a cruz que estou carregando para casa
Não é um indicativo do meu lugar

Todavia, ela também recebe uma conotação voltada ao posicionamento do vocalista em relação ao aborto. Quando ele escreveu “Pro Choice” em seu braço quando o Pearl Jam a cantou em seu show MTV Unplugged de 1992 é um dos indicativos. Naquele mesmo ano, Vedder fez uma declaração semelhante quando a banda a tocou no Saturday Night Live. Durante a apresentação, ele vestiu uma camiseta com um cabide de arame e acrescentou a seguinte letra:

Uma mulher tem todo o direito de escolher …
Escolher por si mesma

Garden

Ten foi gravado logo após o início da Guerra do Golfo. Essa música surgiu quando Eddie Vedder estava saindo com Chris Cornell e seu colega de banda Stone Gossard em um salão de sinuca, quando o presidente George W. Bush apareceu na televisão para falar sobre a invasão do Kuwait pelos Estados Unidos.

Por que estávamos fazendo isso? E por que estávamos saindo? Pode ser interpretado como ganância, porque algumas pessoas interpretam como sair para lutar por seu país: ‘Vou andar com as mãos atadas.’ Mas o fato é que ele estava se afastando: ‘Não serei levado, mas irei.’

Eddie Vedder a Billboard,1991

O “jardim de pedra” citado na canção segundo Vedder na mesma entrevista representa um cemitério.

Deep

todos ligaram suas guitarras e começaram esse tipo de tilintar, e eu comecei a cantarolar, gemer ou o que seja. E então, de repente, era, tipo, uma música de seis minutos que totalmente rolou e atingiu o pico.

Eddie Vedder

Deep é uma poderosa canção bem dropada, garageira e psicodélica. Ament toca nela um baixo Hamer de 12 cordas, o mesmo baixo usado em Jeremy e em Why Go , que ele também escreveu e onde estreou o instrumento. É uma porrada que tem uma levada bem diferenciada no tempo, algo bem blues.

Ament também disse, agora numa entrevista feita para a revista RIP em 1991, como foi imposto a Epic/Sony como eles queriam que funcionasse o cronograma.

Tínhamos um cronograma de quando queríamos fazer um álbum. Passaram-se apenas seis ou oito semanas depois de termos formado uma banda. Foi exatamente o que não fizemos com Mother Love Bone, e foi para realmente pegar um pouco da espontaneidade e frescor das músicas, para ficar bem perto delas quando foram escritas… Eu queria voltar a fazer um álbum assim, foi um pouco mais cru, com um pouco mais de ênfase em obter a intensidade.

Jeff Ament,1991

Release 

Essa música muito catártica começou quando um riff monótono do guitarrista Stone Gossard começou a ressoar. O resto da banda começou a formar a faixa, e Eddie Vedder caminhou até o microfone e despejou as palavras que comporiam a maioria da letra. Foi uma música muito emocionante para Vedder, que estava pensando sobre a dor e a perda pela qual vivenciou: ele descobriu quando adolescente que o homem que pensava ser seu pai era na verdade seu padrasto, e seu pai verdadeiro morreu antes que eles pudessem se conectar. Eddie percebeu que a música tinha um significado semelhante para seus companheiros de banda, que ainda estavam lidando com a morte de Andrew Wood.

“Release” foi uma das primeiras canções que Eddie escreveu com a banda, e é uma que os ajudou a encontrar um terreno comum. Como relembra o frontman no documentário Twenty: “Éramos estranhos, mas viemos de um lugar semelhante“. No início, a música tinha quase 10 minutos de duração, já que Vedder “lançou” muitas palavras quando começou a cantá-la. Ela meio que fez com que os músicos se conhecessem melhor e desenvolver a identidade e compreensão mutua.

O Pearl Jam manteve a fita rolando durante os ensaios, o que foi útil quando essa música surgiu em uma explosão de inspiração. Vedder conseguiu essas fitas de um amigo da Virgin Records, que deu a ele gravações feitas de seus artistas que eles não iriam enviar. A fita que eles gravaram para esta faixa foi de Kipper Jones, um cantor de soul de Atlanta.

O Que disse a Mídia?


Bastante elogiado pela mídia especializada e até hoje figura boas posições nas listas em que se enquadra. Entrou nas três edições dos 500 melhores discos da história da revista Rolling Stone, ficou em sexto lugar na lista referente aos melhores da década de 90, os leitores da revista elegeram Ten como o melhor LP de estreia de todos os tempos empatado com Appetite For Destruction, do Guns N’ Roses. A Classic Rock o definiu como uma das cinquenta melhores estreias, a Kerrang o elegeu como o 15º mais urgente em sua lista de quinhentos discos para ouvir antes de morrer. Ten foi festejado por nos apresentar aos vocais de Eddie Vedder e sobre o impactante “rock moderno barulhento, enriquecido com motivos contagiosos de guitarra e movido por baixo e bateria” como diria a Q magazine. Recebeu as maiores notas em todas as revistas apesar da NME acusa-los de “tentar roubar dinheiro do bolso dos jovens alternativos” e Kurt Cobain, vocalista e líder do Nirvana, em primeiro momento chamá-los de vendidos.

Profundamente investido nas possibilidades catárticas do punk e do rock clássico, o Pearl Jam aparentemente fez música como uma forma de autoterapia, uma ideia que se consolidou com quase uma década de atos de rock alternativo por vir. A banda é rotineiramente culpada pelos auto-gratificantes Stone Temple Pilots, Creeds e Nicklebacks que seguiram Ten , mas a banda naturalmente nunca se propôs a refazer o rock à sua própria imagem. Suspeitando do hedonismo do rock de arena que os precedeu, o Pearl Jam era uma banda solene, e Ten não soa nada a não ser totalmente sério sobre animar as dúvidas de Vedder.

 Stephen M. Deusner, pitchfork, 2009

“Ten” se vangloria de energia, alijando os ritmos túrgidos e auto-indulgentes do rock clássico em favor de ritmos lânguidos – uma música como “Alive” se estende e se expande, com a dinâmica oferecendo uma trégua do peso – e uma dança psicodélica nítida (” Deep”). Em outros lugares, o álbum apresenta punk agitado (“Porch”) e hard rock exuberante (“Even Flow”) e elegíaco (“Garden”), bem como atmosferas intrincadas, como na abertura de “Once”, que soa como o gotejamento de água ampliado 100 vezes.   

Annie Zalleski, Salon, 2021

No Ten, o Pearl Jam – descendente do falecido e lamentado Mother Love Bone – avança para o místico em alta velocidade. O cantor e letrista Eddie Vedder às vezes deixa suas palavras ultrapassarem suas boas intenções: “Eu não questiono / Nossa existência / Eu apenas questiono / Nossas necessidades modernas” (“Garden”). Em vez disso, concentre-se em sua voz – uma mistura raivosa e nervosa de Robert Plant e James Hetfield – e a contenção melódica surpreendente e refrescante dos Pearls. Eles arrancam muito drama de alguns power chords declarativos nadando em eco.

 David Frike, Rolling Stone, 1991 

Para ter certeza, há mais Temple do que Love Bone no novo grupo. Ten é um álbum melancólico, evocativo, introspectivo e carregado com uma força emocional silenciosa que é mais sutil e talvez mais rica do que o brilho estourado de Love Bone. Black e Release são os melhores exemplos desse desenvolvimento, ambos enriquecidos por arranjos iniciais e pelos vocais emocionantes de Eddie Vedder. (…) Isso não significa que o Pearl Jam não pode arrasar. Stone e o segundo guitarrista Mike McCready dispararam com alguns riffs e solos marcantes, criando um contra-ataque explosivo às peças mais descontraídas do LP. E Jeff Ament lidera a seção rítmica com grooves musculosos, ocasionalmente baseados em R & B, que funcionam tanto em alta fervura quanto em baixo verão. 

Don Kaye, Kerrang, 1991

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