80 anos de Erasmo Carlos- 8 rocks do tremendão

Por Roani Rock

Falar do Tremendão é muito fácil. São 80 anos de vida, quase 60 de carreira, número que referencia a sua geração também, os anos de 1960 tiveram na sua metade para o brasileiro o paralelo de dois inícios, o da ditadura militar e o de suas músicas com Roberto na Jovem Guarda e em filmes também. De lá pra cá foram 29 discos de estúdio e 5 ao vivo. Antes de começar essa lista homenagem, vou contar uma história particular para vocês que sai do âmbito relevância ou histórico.

Eu gosto de falar essa história, porque acredito que isso traz um pouco do que chamam de “devoção de fã”, e vai que isso chega até ele né? Bem, eu escuto o Erasmo Carlos desde minha infância, seus primeiros discos da fase Jovem Guarda principalmente. Especificamente o álbum A Pescaria tinha um música chamada “Tom e Jerry” – sim, em homenagem ao desenho da Hanna-Barbera – que levei a letra para o professor de português que pediu para analisarmos as letras de música brasileira. Enquanto meus amigos levavam Jota Quest, Skank, Caetano, Legião Urbana… eu que devia ter uns 8 anos levei essa letra do Erasmo. Já aos 13 anos, em 2005, fui em um show comemorativo de 40 anos da Jovem Guarda, eu devia ser o único adolescente lá e todos que cantaram ficaram felizes de ver uma criança por lá cantando as músicas. Consegui nesse dia o autógrafo e abraço do Tremendão, momentos inesquecíveis da vida.

Após essa “rasgação de seda” para o verdadeiro gigante do rock brasileiro, fiz uma apanhado de grandes rocks lançados por ele. Alguns manjados porque são indispensáveis – se você fala do Erasmo precisa falar dessas músicas. Busquei também não focar na parte mais estimada de sua discografia trazendo alguns sons mais recentes, lados b, mas é claro que não poderia deixar de fora mais de uma faixa do Carlos, Erasmo que é sua obra-prima.


GIGANTE GENTIL

Essa pérola autobiográfica tem uma das melhores letras da música brasileira e falo sem exagero. “Dizem por aí que eu tenho cara de bandido e que mastigo abelha só pra degustar o mel, Que eu faço tipo cafajeste de um gigante bruto, Que sou o espinho do caroço que sobrou do fruto“. Não são linhas que você encontra com tranquilidade na MPB e principalmente no rock nacional.

Ela é a primeira faixa do álbum de mesmo nome que faz parte de uma trilogia com músicas feitas através de sua mais recente formação de banda que conta com os irmãos Luiz Lopez e Pedro Dias junto ao baterista Alan Fontenele dos Filhos da Judith mais o renomado Billy Brandão nas guitarras solo fizeram essa potente canção com o mestre.

Só que eu não posso com a peneira o sol tapar
E pelas curvas da ironia derrapar
Oferecer a outra face nem pensar
Já que um leão por dia eu tenho que matar
Mesmo hostil qualquer gigante pode ser
Gentil

SOU UMA CRIANÇA, NÃO ENTENDO NADA

Uma das letras mais divertidas da música brasileira com um dos riffs mais legais. Temos que levar em consideração que Erasmo primeiro de tudo, sempre foi um compositor e essa música foi lançada em 1989 no álbum 1990 – Projeto Salva Terra, um dos mais celebrados pelos fãs, um pouco esquecido pela grande mídia e que atualmente pode ser taxado como um clássico cult tanto quanto o Carlos, Erasmo, o mais celebre de sua carreira. Essa faixa acredito que ainda tem uma alma um pouco mais atemporal que qualquer outra obra dele, com exceção de Sentado a Beira do Caminho que será sempre um marco. Naturalmente, o seu sarcasmo e descaramento são bem peculiares, estruturalmente faz qualquer um que a escuta abrir um sorriso e de fato, dançar.

Antigamente quando eu me excedia,
Ou fazia alguma coisa errada,
Naturalmente minha mãe dizia,
Ele é uma criança, não entende nada.
Por dentro eu ria satisfeito e mudo,
Eu era um homem e entendia tudo.

SEU BICHO DE ESTIMAÇÃO

Essa aqui pode ser considerada como um lado B, ela abre o disco Pra Falar de Amor de 2001 que Mauro Ferreira da Globo considerou como “a redenção e a renovação” do Erasmo. Desde então lançou grandes e inspirados discos como Rock ‘n’ Roll (2009), Sexo (2011) o já comentado Gigante Gentil (2014) e Amor É Isso (2018), Se mantendo com vigor envelhecendo sem perder a ternura e juventude.

Com Seu Bicho de Estimação ele traz mais uma vez um humor debochado com excelentes sacadas na letra. Quando perguntarem porque o Tremendão é o nosso “rei do rock“, se não quiser mostrar uma música que já está no campo da obviedade, mostre essa sem medo. Um blues rock de primeira, com uma letra que mesmo pegando pesado para os dias atuais, ainda assim, traz um caráter firme. Se há algo que o Erasmo sabe fazer, é trazer conteúdo – ou seja, tudo o que faz é sofisticado apesar de rebelde.

Ainda sinto a dor do golpe, que sangrou os meus desejos
Confundiu meu paladar e eu bebi sem degustar
o doce veneno dos seus beijos…
Eu que só queria ser feliz, me esqueci o que o poeta diz
Que o homem que é escravo de um sorriso
Vai perder as rédeas do juízo

1990 – PROJETO SALVA TERRA

Falando em 1990 – Projeto Salva Terra, a música que dá título ao álbum é uma daquelas que entra no quesito de questionadora. Característica muito importante do rock que na jovem guarda não se encaixava devido a sua proposta, mas, que na parte mais livre de amarras e diria, a mais plural e expansiva, da sua carreira, Erasmo conseguiu fazer esse conceito não só no estilo que o lançou, mas também no samba e no formato pop.

1990 – Projeto Salva Terra é um diretaço no queixo levando a nocaute. Tão forte quanto uma Street Fighting Man do Rolling Stones ou New York City de John Lennon, a música fala dos desencontros do mundo com uma visão positiva para o futuro, almejando um recomeço, mudanças. Prova disso é ele tê-la composto em 1971, num conceito de história em quadrinho – que ele em entrevista pondera que era sua cultura, é uma faixa futurista.

Em 1990, a crise era demais
As pessoas enlatadas não lembravam mais de paz
As vezes deus era lembrado pela falta que fazia
Mortas coisas do passado
De cristão que ainda existia

É PRECISO DAR UM JEITO, MEU AMIGO

Esse blues é certamente a música mais querida dos fãs do Erasmo dentre as obscuras. Dificilmente esse som presente no Carlos, Erasmo de 1971 passa despercebido. Se tratava de um Erasmo ainda perdido com o fim da Jovem Guarda inspirado no movimento hippie. Foi seu primeiro álbum com o selo da Phillips, muita gente considera que o álbum é um crescimento tanto quanto dele como um compositor quanto musical e de interprete. Neste disco tem os samba-rock Coqueiro Verde e De Noite Na Cama, uma música sacana sobre maconha intitulada Maria Joana, e esse blues rancoroso com a guitarra animal de Lany Gordin, que é uma faixa de protesto, um desabafo entre amigos feita em parceria com Roberto Carlos.

Descansar não adianta
Quando a gente se levanta quanta coisa aconteceu
as crianças são levadas pela mão de gente grande
Quem me trouxe até agora
Me deixou e foi embora como tantos por aí
É preciso dar um jeito, meu amigo

DOIS ANIMAIS NA SELVA SUJA DA RUA

Essa faixa só não está entre as primeiras e nem comentada na parte da É Preciso dar um Jeito, Meu Amigo, porque não é uma composição de Erasmo. Com arrebatante pegada roqueira, Dois Animais Na Selva Suja Da Rua se revelou uma das mais inspiradas músicas do politizado compositor Taiguara (1945 – 1996), tendo sido apresentada por Erasmo e nunca gravada pelo autor.

Foi composta em homenagem a Erasmo, fala sobre o casamento do músico com Laninha, uma mulher que tinha um filho, algo que não era bem visto nos anos 60 e 70. Aqui o guitarrista Lanny Gordin também se destaca de forma fervorosa e inspirada.

Eu vou fazer de você
A ponte erguida pro outro lado da vida
Eu vou fazer de você
Clareira aberta na selva suja da rua
Eu não nasci pra viver mentindo
Sorrir em troca e morrer fugindo

PODE VIR QUENTE QUE EU ESTOU FERVENDO

Aqui vem a primeira referente a Jovem Guarda, essa entra não só pela genialidade da letra que cativou até Caetano Veloso – principalmente pela frase “meu coração é do tamanho de um trem” -, mas pela vitamínica melodia, bem latina, ao contrário dos sons naturalmente provindos do rock americano que ele fazia versões na época.

Claro que o “iêiêiê” dos Beatles está intrínseco nesse rockzão, mas há uma brasilidade que certamente influenciou bandas que vieram depois como Barão Vermelho e Skank que gostavam dessa mistura que ganha movimento e swing.

Pode tirar seu time de campo
O meu coração é do tamanho de um trem
Iguais a você, eu apanhei mais de cem
Pode vir quente que eu estou fervendo!

MINHA FAMA DE MAU

Pra finalizar, é impossível não trazer essa. Uma música autobiográfica como muitas das que estão aqui presente, mas essa em específico é como se fosse uma carta de apresentação e a primeira que fez a o Tremendão decolar, por isso é tão importante. Fez um gigante rebelde ser apresentado sem muito de gentil, pelo menos em suas performances no palco.

A letra é um desafio, que veste o eu-lírico com a carapuça de cafajeste trazendo uma confiança que não se via até então nem nas canções de seu parceiro que também é Carlos. Ela tem um ritmo que para você acompanhar não pode ser com palmas, tem que ser com aquele gesto mais conhecido como “chamar pra porrada” onde um punho fechado bate na palma da outra mão, algo que o Roger Daltrey mencionou ser a forma correta de acompanhar as músicas do The Who. Mas claro que além disso, tem que balançar a cabeça e aproveitar cada momento. Ela lembra bastante a melodia de músicas da Motown, em específico uma dos The Temptations chamada Get Ready.

Ela é tão importante que seu título foi escolhido para nomear o filme biográfico que conta sua história. Ele já fez várias versões pra obra, inclusive uma com a Rita Lee em 1980 e uma com Chay Suede que o interpretou no filme, mas nada como a original.

Meu bem chora, chora e diz que vai embora
Exige que eu lhe peça desculpas sem demora
E digo não, por favor, não insista e faça a pista
Não quero torturar meu coração
Perdão à namorada é uma coisa normal
Mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau

Vida longa ao Tremendo Gigante Gentil!

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