O músico Temido Até Pelo Diabo

‘’Ele tocou aqui por uns dois ou três meses. Na época, tinha três ou quatro músicas [de própria autoria]’’, disse Elizabeth Moore, dona de um juke point em Friars Point, no Mississippi. Foi mais ou menos desta forma, e nos mesmos locais, e com uma certa característica humilde que o grande bluesman Robert Johnson acendeu em uma cena musical até então ilusória. 


BIOGRAFIA ‘’A MÚSICA DO DIABO’’

Com a ajuda do repórter Steve Armitage, a certidão de óbito de Robert Johnson foi digitalmente limpada, e com o empenho musical de John Paul Hammond, a figura e a obra de Johnson pode ser apresentada a todos. Estamos mesmo falando de uma personalidade misteriosamente fascinante e que devido a sua época de atividade tornou difícil a documentação de evidências de seus feitos ao longo da carreira. 

Lançado em junho de 2022 por Bruce Conforth e Gayle Dean Warlow, o livro A música do Diabo reúne mais e mais informações sobre o genial músico de blues, com o diferencial destas estarem desmentindo ou esclarecendo situações até então confusas ou mal contadas por outros biógrafos. 

INFÂNCIA E PRIMÓRDIOS DO SEU ENCONTRO COM A MÚSICA

Filho ilegítimo de um casal pobre no sul dos Estados Unidos, Johnson veio ao mundo no dia 8 de maio de 1911, e veio a ser infelizmente testemunha de infinitas confusões entre seus pais, coisa que resultou na fuga de sua mãe ao lado do filho em busca de uma vida mais digna de respeito e conforto. 

Tal situação levou o menino Robert a sofrer de desnutrição pela falta de uma boa alimentação provida por sua mãe e por uma consequência da falta de perspectiva de vida, o garoto passou a conviver com famílias alheias, onde já foi introduzido a certos aspectos que se tornaram marcantes em sua vida pessoal, como o hodu e rootwork, ambos provenientes de religiões de matrizes africanas. 

Tendo reunido um repertório de educação básica, como as habilidades de ler e escrever, o até então garoto teve sua vida mudada para uma forma mais drástica, pelo menos de acordo com aquilo que ele sentia, quando sua mãe Julia casou-se com Will ‘’Dusty’’ Willis, um arrendatário dono de plantations, sistemas de produções agrícolas. Uma evidência do sentimento de drasticidade veio pelo fato de Robert ter que ‘’gastar’’ seu tempo esforçando-se no trabalho no campo, coisa bem diferente daquilo que ele realmente gostaria de fazer – viver e trabalhar com a música. 

RAÍZES MUSICAIS E IDENTIDADE

Após conseguir uma cigar-box guitar caseira com a ajuda de uma amiga, Johnson pode efetivamente encontrar-se como músico. Seu primeiro mentor, um músico violinista chamado Willie Brown, mudou-se para Robinsonville, cidade onde os dois se encontraram pela primeira vez. Aliás, esta mudança de moradia foi uma coisa extremamente comum na vida do bluesman. Por enquanto, ele encontrava-se em certo canto, mas assim que as chances o chamassem para outro horizonte, seu coração e violão seguiam junto de seu corpo e espírito. 

Começando com canções mais populares como You Great Big Beautiful Doll e What Makes You Do Me Like You Do Do Do?, Robert absorvia todo aspecto possível nas incontáveis performances de Willie Brown assistidas por ele, tal Willie Brown que possuía já um estilo diferenciado de tocar o violão – com o instrumento atrás da cabeça.

Em 1928, o bluesman passou a tocar profissionalmente em pequenos bailes e festas da região, tendo como alvo os famosos juke points, por carregarem um caráter lucrativo para os padrões de sua cidade. Em seu repertório, constavam canções folk e standards que entraram para a cultura negra da época. Dentre elas, Captain George, Make Me a Pallet, e President McKinley

Em pouco tempo, Robert comprou um violão de aspecto mais rebuscado, que trazia um corpo de madeira, de forma que pudesse projetar mais som e volume, coisa que estava começando a ser fabricada, e que seria incorporada alguns anos após por um tal de B. B. King

TRAVELLING RIVERSIDE BLUES E O DISCO ”KING OF THE DELTA BLUES SINGERS”

Seguindo com sua agenda em juke na metade dos anos 1930, Robert Johnson possuía o dom de aprender de ouvido todas as canções populares tocadas nas rádios nesta época. Mas foi assim que Johnson encontrou a oportunidade de realizar seu primeiro trabalho oficialmente autoral, ao conhecer duas figuras importantes em sua carreira, Robert Lockwood e Sonny Boy Williamson II. 

De acordo com o livro de Conforth e Garlow, ‘’no outono de 1935, H. C. Speir, dono de uma loja de discos, foi contatado por Art Satherly, diretor de gravação da Vocalion/ARC, para procurar artistas para uma sessão a ser realizada no mês de outubro (…).’’ 

Sabendo do impacto pessoal e externamente comercial que a gravadora traria, Robert reuniu um repertório autoral para fazer um teste resultante da parceria empresarial entre a Speir e a Vocalion/ARC

Pelo que é lembrado deste dia, o artista chegou ao local carregando seu violão nas costas e com quatro músicas originais, uma ligação foi destinada a ele para dizer que o violinista poderia gravar em San Antonio. 

E passando por uma desfeita racista, infelizmente muito recorrente neste tempo, o artista sentou-se num banquinho de frente a um microfone, como ilustra a capa da reedição da gravadora Columbia em 1961, coisa que inclusive foi tratada como errônea por alguns historiadores, alegando que tal quadro não acontecera exatamente assim.  

E apesar da boa experiência no estúdio, a ARC/Vocalion, comprada recentemente pela CBS (Columbia Recording System) em 1938, descontinuou os selos econômicos de vinte e cinco centavos que incluíam os lançamentos de Robert Johnson, e isso resultou no fato deste não ser chamado a continuar suas gravações devido a baixa vendagem no ano anterior.


AS MULHERES DE ROBERT JOHNSON

Outra característica marcante na figura de Robert Johnson era seu envolvimento desenfreado em situações que vinham de pequenas encrencas até grandes brigas, coisa que muitas vezes vinham de uma relação com uma mulher. 

Tendo em mente o objetivo de atrair mais e mais parceiras para satisfazer suas necessidades financeiras e sexuais, o artista carregando seu violão passou pela vida de diversas mulheres, e em alguns casos foi a razão de euforia na vida delas. 

Em 1929, casou-se com uma garota de quatorze anos chamada Virginia, na cidade de Penton, e no verão daquele ano, engravidaram de seu primeiro filho. Porém, devido a razões de trabalho e interesses conflitantes, sua parceria teve um parto solitário que acabou levando sua vida e a do bebê de Robert. Foi mais ou menos a partir daí que o bluesman passaria a blasfemar e a pregar contra a figura divina de Deus, alegando que tal ser não deveria proporcionar tanto sofrimento a quem supostamente era amado por Ele. 

E não parou por aí! Em dezembro de 1931 ou início de 1932, sua segunda esposa, uma mulher chamada Callie, adoeceu seriamente, e em 1933 esta morreu sem seu marido ao lado. 

Talvez por carregar um sentimento de culpa ou por simplesmente ter preocupações voltadas apenas para sua música, o bluesman não teve tal tipo de envolvimento até mais ou menos o ano de 1938, quando compôs a canção ‘’Honeymoon blues’’ para uma certa Betty Mae – canção que inclusive prometia à mulher um reencontro acompanhado de uma licença de casamento. De qualquer forma, há a suspeita de que o trabalho possa ter sido também destinado a outra figura chamada Willie Mae

A LENDA DO BLUES E SEU TALENTO SUSPEITO

A coisa pela qual todos escutam sobre Robert Johnson, antes mesmo de saber sobre sua importância para a história do blues, é sua famigerada lenda sobre as origens de suas impressionantes habilidades com o violão. 

De forma que Johnson recebesse este dom fascinante, ele teria vendido sua alma para o Diabo em uma encruzilhada; encruzilhada esta que desencadearia em sua precoce morte aos vinte e sete anos. 

Somando com as interpretações meticulosas vindas das letras de suas canções e com seu histórico de envolvimento com a prática hodu, essa lenda nunca deixou de acompanhar o nome do artista; tudo isso já desde suas primeiras aparições nos tais juke points mencionados anteriormente. 

MORTE E UMA ESPÉCIE DE EPÍLOGO

Agora voltando para a cidade de Memphis, o bluesman teve de consultar um médico devido a fortes dores no estômago e peito. Após a consulta, ele foi diagnosticado com úlcera e aconselhado a parar de beber, dica que não viria a ser seguida por este.

Tal decisão levaria a episódios mais tensos ainda que colocaram a saúde do artista em risco, onde desmaios e séries de vômitos eram ‘’comuns’’, incluindo uma briga feia com seu amigo Sonny Boy Williamson.

E como desfecho de uma dessas noites, Robert Johnson morreu na manhã de uma terça-feira em uma cabana. As circunstâncias e até mesmo as causas de sua morte são algo suspeito para alguns, isso devido aos relatórios de sua certidão de óbito, que levantaram questões interessantes. Questões como data e local que não bateram com aquelas compartilhadas pelas últimas pessoas a verem-no com vida ainda. 

Poderiam estas informações serem à prova de um acobertamento? E se sim, um acobertamento sobre o quê? Teria sido talvez Robert Johnson assassinado? Muito de seu background não é certo, mas a lenda incorporada por este indivíduo simples, visto como anti-social, mas sempre como um ferrenho amante da nova música, é eterna.

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