Marcelo Gross embala o Selina Live Sessions com seu som mod

Não foi um domingo como outro qualquer, ao fazer o percurso da Lapa até o hotel Selina, a impressão que dava é que o bairro boêmio estava vivendo a continuação de sábado, um clima tenso e de derrota no ar. Mesmo tendo tido a vitória de três dos quatro grandes times do rio, Botafogo no sábado, Fla e Flu no domingo, com Vasco ainda em segundo lugar para subir pra série A mesmo tendo perdido sua partida, o clima não estava celebrativo – pode ter a ver com o fato da Lapa ter tido uma semana conturbada com troca de tiros entre polícia e tráfico.

24 de Julho de 2022, um dia ao qual poderíamos não dar nada por tudo que foi dito no parágrafo anterior. Talvez mais um daqueles domingos que, como cantam os Titãs, gostaríamos de ver passar. Mas este 24 de julho não foi bem assim, graças ao guitarrista Marcelo Gross o público presente foi convidado a “voar no seu balão” para aproveitar uma loucura de show no rooftop do hotel Selina, um lugar agradável que dá uma vista privilegiada dos Arcos da Lapa. Quando o show começou o que estava do lado de fora ficou no lado de fora.

Com o seu power trio de fé, montado desde dezembro do ano passado – com o batera Lucas Leão conhecido nas ruas e praias cariocas por seu trabalho com os Beach Combers e Eduardo Barretto nos backing vocals e baixo – Gross trouxe para o abalado, quente e cheio de molejo Rio de Janeiro, um pouco do contagiante e comprometido rock gaucho, um quase subgênero único que por responsabilidade dele e de mais uma turma deu tão certo e ressoa até os dias de hoje no som de bandas e de discos excelentes como Tempo Louco (2021), o terceiro da carreira do guitarrista.

Com a turnê deste disco que Gross chegou ao Selina Live Sessions e o set foi arrasador. Misturando principalmente faixas dos primeiros discos com o mais recente, aliado a hits da Cachorro Grande e mais duas obras do Júpiter Maçã – músico que Gross acompanhou nos anos 70 – o Hotel Selina foi presenteado com muita loucura e foi chamado de “Um Lugar do C@ralh*” faixa histórica dos tempos de A Sétima Efervescência que foi tocada a pedidos da galera presente.

foto/publicação: Roani Rock

Infelizmente, problemas técnicos com a mesa de som fizeram a apresentação demorar a começar. Após uma hora de espera, tudo foi contornado por Vitega, baterista do underground carioca que auxiliou bastante na parte da engenharia sonora do show. Com a apresentação tendo início muitos dos fãs do primeiro disco foram agraciados com ao menos quatro faixas do Use o Assento Para Flutuar de 2013, o que fez a experiência ser ainda mais divertida, tirando um pouco da tensão do lado de fora. Meu principal destaque vai para as avassaladoras Alô, Liguei, Me Recuperar, Eu Aqui E Você Nem Aí do trabalho solo de Gross, os hits Que Loucura (que o guitarrista alegou ser sua primeira grande canção), Lunático, Dia Perfeito e Sinceramente dos tempos de “grande cachorrada” e o cover para Novo Namorado, mais uma homenagem pro Jupiter Maçã, o saudoso Flavio Basso, falecido em 2015.

Toda via, por mais de uma vez o retorno do som para os músicos foi afetado e a in-conformação deles conduziu de forma um pouco tensa a apresentação. Mas nada que ficasse ruim para o público, não teve tanta microfonia e as músicas em que a voz terminava ficando abafada pelos instrumentos não incomodou, já que a rapaziada conhecia as letras. As faixas serem executadas com muito vigor e técnica pelo power trio mod também ajudaram bastante. Os músicos de apoio trouxeram muito dessa carga positiva, Lucas Leão transbordava alegria em cada virada na batera reforçando a impressão que já deixava no Beach Combers de ser a versão brasileira do Keith Moon e Eduardo Barretto parecia o tempo todo em tremenda técnica evocar o Ronnie Lane do Faces – apesar de ser responsável por fazer os agudos nos backing vocals.

O Rio de Janeiro foi celebrado por Gross em mais de uma vez, ao executar a faixa Bom Brasileiro ele lembrou que a compôs no Leblon em um “momento Noel Gallagher”, que enquanto o restante da banda saiu para praia ele ficou em casa compondo. Outra faixa que recebeu menção ao Rio foi Rua dos Andradas que fala sobre a rua gaúcha onde o guitarrista nasceu e cresceu, ele mencionou que o conceito de criação da música ia na mão da bossa nova tanto em termos de arranjo quanto na questão de falar sobre uma cidade ou rua.

Um show bem enérgico que teve ainda as excelentes A Dança das Almas e Carnaval do novo álbum Tempo Louco, Purpurina e Trilhos duas porradas, uma do Chumbo & Pluma (2017) e a outra sendo a primeira faixa do Use o Assento Para Flutuar. Teve ainda tempo para dois bis, a atemporal Sinceramente – talvez sua canção mais bem sucedida em termos comerciais – estava entre elas.

Em suma foi uma grande noite de domingo, se eles passarem por sua cidade não perca a oportunidade! Mesmo que seja no último dia da semana ou fim de mês, mesmo que você esteja com problemas em casa, garanto que vai ter momentos estimulantes com um som mod bem tocado e cantado, fazendo o que estiver do lado de fora do local do show ficar por lá. Mesmo se acontecer alguma coisa inesperada, com defeito no retorno para os músicos, lembre-se que o rock permite que seus heróis façam seu trabalho “assim mesmo” e vai ser de forma excelente, fazendo com que tal situação não incomode.

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