Revisando Clássicos: Janis Joplin – Pearl

Por Roani Rock

Bem vindos a mais um revisando clássicos, aqui analisamos discos atemporais que, de alguma forma, marcaram a história da música de maneira revolucionária. Traremos uma introdução ao álbum contando fatos que o fizeram importante para a carreira da banda, um faixa-a-faixa e, por fim, citações das principais mídias especializadas em reviews. O álbum de hoje é o precioso Pearl de Janis Joplin.

INTRODUÇÃO AO ÁLBUM

O ano é 1970, Janis Joplin que havia alcançado notoriedade mundial após sua aparição no festival de Monterey Pop Festival de 1967 devido a sua versão cheia de lamento de Ball And Chain, havia se tornado uma gigante no showbizz, sinalizando a chegada de uma vigorosa e sofrida voz gritando Blues compensando em atitude o que lhe faltava em técnica.

Em 70 víamos uma Janis Joplin perdida tentando se distanciar das drogas e planejando seu álbum solo. Naquele mesmo ano formaria sua terceira e última banda, a The Full Tilt Boogie, com quem fez uma turnê no outono. Diferente da The Kozmic Blues Band, seu projeto anterior formado em 1969 pela gravadora Stax, a cantora finalmente conseguiu se conectar com pessoas capazes de tocar seu som de uma forma melhor até mesmo do que a Big Brother and Holding Company, banda que a introduziu no estrelato, em 1967. Isto porque os canadenses da Tilt conseguiam executavam as músicas de uma forma mais despretensiosa e blueseira.

A banda era formada pelo guitarrista John Till, o baixista Brad Campbell, o pianista Richard Bell, Ken Pearson no órgão e Clark Pierson na bateria. Todos canadenses – exceto Pierson, que Janis encontrou tocando bateria no The Galaxy, um bar de topless em São Francisco. Till e Campbell eram remanescentes do Kozmic Blues. Bell e Till tocaram na banda de Ronnie Hawkins.

Muito antes do Full Tilt Boogie lançar sua primeira nota no estúdio, a banda tinha se solidificado com Janis nos palcos, incluindo uma turnê de trem canadense naquele verão com The Grateful Dead, The Band, Delaney & Bonnie, Buddy Guy, Flying Burrito Brothers, Sha Na Na, Eric Andersen, Tom Rush, Sea Train, Mountain e New Riders of The Purple Sage. No que diz respeito à história do rock ‘n’ roll, a festa a bordo daquele trem rivalizava com as apresentações (e tudo foi documentado no filme “Festival Express”).

Infelizmente o álbum não pode ser gravado da forma devida, Joplin morreu antes da conclusão dos trabalhos em 4 de outubro de 1970, com apenas 27 anos, devido a uma overdose de heroína. Janis Joplin viveu muito e morreu jovem mas deixou algumas sessões no caminho e foi dever de Paul Rothschild (que gravou os álbuns do The Doors), prestar essa homenagem de uma forma digna a grandiosidade da cantora.

Ela nunca fez uma promessa falsa, ela sempre se entregou.

Rotchild

FAIXA-A-FAIXA

Um faixa-a-faixa se torna conveniente, mas não seguiremos a ordem numérica e sim a de importância, não só em termos mercadológicos, mas também para a história da cantora.

Move Over

Um dos hits e a abertura do álbum. Move Over, é uma das poucas canções originalmente compostas por Janis e a sua leve inclinação para o Hard Rock demonstra que a cantora estava sintonizada com o que estava acontecendo ao seu redor.

Joplin foi ao Dick Cavett Show em 25 de setembro de 1970 para apresentar Move Over. No programa, ela afirmou que a música era sobre homens – especificamente o cara que diz que seu relacionamento acabou, mas não vai seguir em frente, assim equiparando a maneira como alguns caras mantêm o amor de uma maneira parecida com uma mula tendo uma cenoura de isca na sua frente. O álbum vendeu quatro milhões de cópias e atingiu o primeiro lugar nas paradas, tudo tragicamente após a morte de Joplin. 

Mercedes Benz

Esse petardo apenas cantado – ou se preferir, recitado, é baseado em uma música chamada C’mon, God, and buy me a Mercedes Benz do poeta beat de Los Angeles Michael McClure. Joplin viu McClure cantá-la e, em 8 de agosto de 1970, ela retrabalhou em sua própria canção, que cantou cerca de uma hora depois. A música é um comentário social sobre quantas pessoas relacionam felicidade e autoestima com dinheiro e posses materiais. Cantado a capella em um estilo blues, Joplin estava zombando da ideia de que produtos de luxo vão tornar tudo melhor.

Conforme recontado nas memórias de Patti Smith, Just Kids, antes de seu show no Capitol Theatre em Port Chester, Nova York, ela foi a um bar próximo (provavelmente Vahsen’s, mais tarde rebatizado de Little Dick’s) com seu bom amigo, o compositor Bob Neuwirth, e dois conhecidos mais recentes, os atores Rip Torn e Geraldine Page. Joplin começou a recitar a linha: “Oh, Deus, você não vai me comprar um Mercedes Benz” – a primeira linha da música de McClure. Os quatro começaram a bater em canecas de cerveja na mesa para formar um ritmo, e Neuwirth escreveu as letras que ele e Joplin criaram em um guardanapo. Eles terminaram a música e Janis a cantou no show, apresentando-a dizendo: “Acabei de escrever isso no bar da esquina. Vou fazer em Acapulco.

Cry Baby

Um cover de Cry Baby do cantor de soul Garnett Mimms é mais um dos petardos do álbum, talvez a mais impactantes e com os vocais mais explosivos e rasgados. Em uma de suas três versões, Janis improvisa uma resposta desdenhosa ao namorado David Niehaus, que a deixou para fazer mochilão pela Turquia e Nepal.

Ela é quase uma música famosa, esteve no repertório da tour de 70. Só que a versão feita em Toronto se destaca, inclusive pela performance da Tilt, nesta apresentação dá pra sentir a sintonia perfeita dos músicos com Janis.

A Woman Left Lonely

A Woman Left Lonely foi escrita especificamente para Joplin por Dan Penn e Spooner Oldham. Quando Oldham a elogiou por sua carreira, ela se voltou para ele e profeticamente disse: “Acho que isso vai acabar a qualquer momento”. De fato, poucas horas depois de completar os vocais de “Buried Alive In The Blues” de Nick Gravenites, ela morreu.

Um Blues suave que traz um vocal de Joplin mais leve com pouca elevação de voz, a faixa vai crescendo em sua duração de 3:29 minutos.Um solo de órgão fantástico se destaca trazendo tanta emoção quanto o vocal de Janis que após ele cresce, e muto.

Half Moon

Esta canção celestial tem um ponto interessante, este álbum foi capaz de favorecer positivamente carreira de vários músicos e compositores, ao exemplo de Half Moon. Ela foi escrita por John Hall e sua primeira esposa, a ex-Johanna Schier. Na época, John era um músico esforçado e Johanna redatora do The Village Voice. Johanna recebeu uma entrevista com Joplin, que sugeriu que o casal escrevesse uma música para ela. John estava trabalhando na música para uma peça chamada Line of Least Existence , e criou um “lick de guitarra funky e repetitivo inspirado em Hendrix” para uma das faixas. Depois que Johanna escreveu a letra, ele retrabalhou essa faixa para se encaixar na música e a trouxe para Joplin, que adorou.

John se reuniu com Joplin e sua banda – Full Tilt Boogie Band – em sua sala de estar em San Rafael, Califórnia, e ensinou-lhes a música enquanto seu diretor musical, Todd Rundgren, assistia.  John na ocasião falou: “Uma vez que o guitarrista John Till aprendeu o riff introdutório, que continua na maior parte da melodia, o resto correu bem, Janis mudou a letra e a melodia em alguns lugares para se adequar ao seu alcance e estilo, e isso foi demais.”

Em sua entrevista com John Hall , o guitarrista falou ainda mais: “Era de natureza numerológica e astrológica. E também tinha uma repetição aliterativa que era meio cativante. Não era exatamente rimada, mas uma rima interna , talvez você pudesse dizer. É um dispositivo que os poetas usam e os compositores usam não apenas para rimar o final dos versos ou o final dos versos, mas para ter uma espécie de prenúncio disso e das palavras dentro de cada verso.

A música foi usada como lado B do hit nº 1 de Joplin, Me And Bobby McGee. Conseguir Half Moo em um single e álbum # 1 proporcionou uma grande sorte inesperada para os compositores John e Johanna Hall, e deu a John credibilidade instantânea, o que lubrificou as rodas de sua carreira musical. Ele conseguiu um show tocando guitarra na banda do Taj Mahal, e mais tarde formou o grupo Orleans, escrevendo seus maiores sucessos Still The One e Dance With Me . Orleans gravou Half Moon em seu primeiro álbum de 1973 auto-intitulado.

Me And Bobby McGee

Este foi composta por Kris Kristofferson, que escreveu centenas de canções para uma grande variedade de artistas. Jeffersonita se tornaria um artista solo de sucesso e apareceria em vários filmes, mas foi o cover de sucesso de Janis Joplin para essa música que trouxe sua carreira para o próximo nível. Bobby McGee foi a música que fez a diferença para mim“, disse ele ao Performing Songwriter em 2015. “Sempre que a canto, ainda penso em Janis.

Kris Kristofferson lançou em 1970 em seu primeiro álbum, Kristofferson. Um ano depois, quando se tornou um sucesso para Joplin, o álbum de Kristofferson foi relançado como Me And Bobby McGee para tirar vantagem da nova popularidade da música. A letra conta a história de dois jovens amantes que viajam juntos, mas se separam para descobrir o mundo por conta própria. Os personagens da música eram muito parecidos com Joplin, que era conhecida como um espírito livre.

Buried Alive In The Blues

Essa é a faixa do álbum a qual Janis Joplin não pode participar, não há vocais nesta faixa. A banda de Joplin, Full Tilt Boogie Band, gravou suas partes em 3 de outubro de 1970 nos estúdios Sunset Sound em Hollywood. Joplin ouviu a faixa e estava programada para gravar seu vocal no dia seguinte, mas naquela noite ela foi encontrada morta por overdose de drogas no Landmark Hotel. A faixa instrumental foi deixada no álbum como uma homenagem a Janis.

Pearl foi lançado três meses após a morte de Joplin. Foi seu álbum de maior sucesso comercial, alcançando o primeiro lugar nos Estados Unidos. Já no Reino Unido só alcançou a posição # 50. “Pearl” era um dos apelidos da cantora.

Esta canção foi escrita por Nick Gravenites, que também escreveu as canções de 1969 de Joplin As Good As You Been to This World e Work Me, Lord. Paul Butterfield, que incluiu a música em seu álbum Better Days de 1973 , foi o primeiro a gravar uma versão com letras. A música é sobre alguém que está tão sozinho e atormentado que se sente enterrado vivo. abaixo deixarei a versão de Paul, imagine Janis colocando seu poderoso vozerão nessa obra.

Get It While You Can

Get It While You Can foi a última música que Janis Joplin gravou um vocal. É a última música em versão de estúdio da cantora. Ela foi escrita pela equipe de compositores de Jerry Ragovoy e Mort Shuman, e originalmente gravada pelo cantor de soul Howard Tate. A canção foi a faixa-título do álbum de estreia de Tate, que foi produzido por Ragovoy. Sua versão alcançou a posição # 134 nos Estados Unidos, e Tate teve dificuldades no circuito de chitlin antes de desistir da música em meados dos anos 70.

Essa música tem como assunto primordial não perder a oportunidade de amor e conforto, porque a vida é muito mesquinha e curta. Isso não é apenas a pedra angular da filosofia de Joplin? No livro Love, Janis , da irmã de Janis, Laura Joplin, o guitarrista da Full Tilt Boogie Band, John Till compartilha esse momento do espírito livre de Janis: “Ela veio até mim e nossos rostos se juntaram assim, e então ela me deu um grande beijo. E eu não me lembraria de nada exceto grandes asteriscos e pontos de exclamação sobre minha cabeça… Foi uma experiência, fazer um solo de guitarra na frente de quarenta mil pessoas e recebendo esse beijo de Janis. “

Do mesmo livro, uma citação de Janis oferecendo uma visão sobre o trabalho de sua vida:

Todo o meu propósito é comunicar. O que eu canto é minha própria realidade. Mas apenas o fato de as pessoas virem até mim e dizerem: ‘Ei, isso é minha realidade também ‘me prova que não é só minha.

Janis Joplin

Há também a faixa Trust Me, uma balada blues lindíssima com belo riff de guitarra e violão, que assim como A Woman Left Lonely tem uma crescente durante o refrão. As outras faixas que compõem o álbum vieram de um show da tour feita no Canadá. Seus grandes sucessos, Tell Mama, Little Girl Blue, Try(Just a Little Bit Harder) e Cry Baby executadas em julho de 1970 no estádio McMahon em Calgary. Elas servem para mostrar o quanto a Full Tilt Boogie Band era mais expressiva e técnica que as outras bandas de Joplin.

O QUE DISSE A MÍDIA?

De uma forma geral ainda estava um sentimento de luto, então a mídia teve muito cuidado em sua avaliação. Entretanto, com o passar dos anos, a opinião geral não mudou e Pearl segue sendo o disco mais bem avaliado de Joplin na sua curta carreira.

Seu último álbum não pode ser simplesmente uma ocasião para avaliação. O fato de que não haverá mais álbuns de estúdio inevitavelmente supera a questão de quão bom ou quão ruim o álbum pode ser. Além disso, Janis era uma pessoa pesada e tinha uma presença incrível tanto no topo quanto na base de sua forma. Ela era uma cantora notável, embora errática, e provou isso, ao vivo e em disco. Qualquer pessoa que exibe qualidades de grandeza ganha certos privilégios – não tanto imunidade crítica quanto o direito de ser removido para sempre da inconseqüência: todo o seu trabalho, defeituoso ou não, vale a pena experimentar. Você prefere ouvir o mau Monk ou o bom Ramsey Lewis? Ou, se Monk poderia ser chamado de mau, Lewis poderia ser chamado de bom? Em certos casos, “bom” e “mau” podem ser termos bastante inúteis. É Janis, ou é Monk, e você escuta, e você se importa.

Rolling Stone 1970

Pearl é um álbum mais suave e polido do que qualquer coisa que Janis havia alcançado anteriormente. Seu outro grande álbum, Cheap Thrills (com Big Brother …) é um ótimo álbum, mas malfeito na execução. Pearl, ao contrário, é o som de um artista crescendo. A Full Tilt Boogie Band a manteve firme em uma música como A Woman Left Lonely, que teria, em tempos anteriores, permitido que ela se tornasse muito auto-indulgente. A faixa mais famosa de Pearl – Me And Bobby McGee de Klris Kristofferson – é uma música que não teria se adaptado a ela em 1967, mas agora sua voz a transmitia em um estilo quase definitivo. Mesmo uma pista descartável como a Mercedes Benz a capella tem um calor que nos faz pensar como ela teria continuado a amadurecer.

BBC 2008

A palavra pérola, que nomeia o álbum, representa cada trecho de música nele contido. Cada música que Janis gravou é uma metáfora sonora para sua trajetória. Muita emoção concentrada em pouco tempo. Muito lamento pelo que ela não fez, muita carência pelo que ela não gravou, muita especulação pelo que ela poderia ter sido, até onde poderia ter chegado. Acima de tudo, muita saudade, da estrela que encarnou o blues de forma tão definitiva que, até hoje, não foi superada. E o tempo continua a passar…

Roadie Metal 2017

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