O Skank no último domingo fechou seu ciclo como banda, após 32 anos de estrada em um Mineirão lotado por 50 mil pessoas, eles tocaram seus maiores clássicos e material ao qual a banda e os fãs tem muito carinho, com direito a uma participação pra lá de especial do Milton Nascimento.
Vou usar a palavra envelhecer porque ela é muito digna. Nós envelhecemos e estamos emocionados por termos feito diferença para a vida de tantos de vocês!
Samuel Rosa falando ao público no último show da banda no Mineirão, 26 de março de 2023
Formado em 1991 e tendo lançado seu álbum de estreia homônimo dois anos depois, o Skank foi um dos responsáveis de fazer com que Minas Gerais voltasse a ter relevância no cenário mainstream nacional durante toda aquela década. formada por Samuel Rosa (guitarra e voz), Henrique Portugal (teclados), Lelo Zanetti (baixo) e Haroldo Ferretti(bateria), eles fizeram parte de uma gama talentosa de novos músicos que junto ao Jota Quest e Pato Fu, que também são de Minas; Chico Science e Nação Zumbi, em Pernambuco; Planet Hemp, no Rio de Janeiro; Pitty, da Bahia e Raimundos, no Distrito Federal, conseguiram com que o rock nacional passasse a ter maior diversificação sonora.
Principalmente ao implementarem em seus discos a mistura do reggae jamaicano com o rock britânico que estava em alta nos anos 90 e outras coisitas mais do tempero brasileiro, como o samba rock e o calango. Eles ao longo dos anos seguiram fazendo experimentações, até a adição de beats eletrônicos e sintetizadores em alguns de seus trabalhos para convergir com a modernidade.
Visando a grandiosidade de tal cumprimento de trabalho, pensamos na possibilidade de prestar uma homenagem a essa que foi e vai ser por muitos anos de fato uma das maiores bandas de rock brasileiro com folga. Pra hoje decidimos trazer um ranking com 20 sucessos, com as músicas que o público gosta de cantar junto, que consideramos as mais incríveis, não a toa sempre figuraram presença nos setlists. Após a pré-seleção que ficou para 20 canções, resolvemos ranquear para que todas tivessem sua relevância para a carreira dos quatro mineiros bem debatida e explicitada.
A ordem escolhida de forma alguma faz um demérito a qualidade ou a mensagem que a música que ficou por último ou as que não entraram, isso é apenas uma brincadeira saudável que dá um direito de você leitor discordar ou concordar e abrirmos um debate. Enfim, aqui estão nossas preferidas e o motivo pelo qual entraram aqui num universo de mais de 100 músicas do grupo.
20. Mandrake e Os Cubano
Música composta por Samuel Rosa e Chico Amaral, os verdadeiros “Lennon e McCartney” dos anos 90 dentro do rock nacional. Mandrake e Os Cubanos é pertencente ao álbum Siderado de 1998. Gosto de dizer que esse som foi potencializado pelo seu clipe muito divertido que apresenta o baterista Haroldo como personagem central, o que ajuda a desmistifica a máxima de que o Samuel Rosa, vocalista, guitarrista e frontman, é o principal da banda. A melodia vai de encontro ao funk americano e sua harmonia é bem similar a música de Paul McCartney Coming Up.
19. Algo Parecido
Provavelmente a última música de trabalho do Skank, ela está presente no álbum os Três Primeiros de 2018 como single. Uma composição creditada apenas a Samuel Rosa, trata-se de uma balada acústica com refrão marcante, algo que a banda desde o álbum Siderado sabe fazer muito bem, como no caso de Resposta. Ela aborda o relacionamento do frontman com a sua esposa, a atriz Laura Sarkova.
Como ele fala no vídeo do quadro “Como fiz essa canção” em seu canal no youtube, é um assunto muito íntimo, mas que termina reverberando para o coletivo, o que termina por ser muito positivo.
O contingente dessa canção, o contingente dessa letra, são coisas muito particulares, muito peculiares de um início de um relacionamento promissor. Da questão de enxergar o mundo de uma outra forma porque tem uma pessoa do seu lado que te inspira a enxergar o mundo de outro jeito. As perspectivas, os sonhos… Muito do que tem nessa música é um convite, mesmo com todas as incertezas.
Samuel Rosa, 2021
Coloco essa aqui justamente por trazer esse momento solo do Samuel e incrível arranjo do teclado de Henrique Portugal, mais os riffs de guitarra aliado aos fortes vocais do refrão majestoso.
18. Pacato Cidadão
Pertencente ao álbum Calango de 1994, PACATO Cidadão é mais um reggae emblemático. Algumas peculiaridades da música vem por parte da bateria do Haroldo inspirada no dancehall, basicamente o uso de batidas eletrônicas bem estimulantes que proporcionam todo o balanço. A letra bem ousada também, que inicialmente tinha o título de Revoluções Possíveis, cortado após Samuel achar que a música não precisava dessa frase. Samuel também mudou os acordes da melodia para que ela ficasse mais divertida, mesmo com ela tratando sobre temas mais incisivos e pertinentes; fala sobre inclusão social. Outro fato que enriquece a obra é a inclusão incidental da música Let me in de Paul McCartney.
Ela tem diversos versos interessantes sobre o tema como “Se abolir a escravidão do caboclo brasileiro, numa mão a educação a outra dinheiro” que reforçam os posicionamentos progressistas do grupo frente a injustiças e injúrias. O que se torna pertinente falar do porque coloquei a palavra “pacato” do título da música em caixa alta/letras garrafais/caps lock ou se preferir, em letras maiúsculas. Fiz isso porque viralizou durante uma época uma brincadeira frente a um comentário infeliz que um cara fez numa rede social do Samuel querendo desqualificar a música e acusar a banda de cometer racismo pelo título da música ao entender dele ser “Macaco Cidadão”, sendo que a música não se chama assim e Samuel ao fazer a correção, respondendo o comentário com um “PACATO, por favor!”, criou um culto de piadas justas entre os fãs frente ao “tiro que saiu pela culatra” do infeliz.
17. Garota Nacional
Garota Nacional foi uma das grandes responsáveis pelo sucesso do Skank e do álbum Samba do Paconé (1996), que de acordo com o site oficial da banda vendeu mais de 1,8 milhões de cópias, sendo o mais vendido da carreira. É uma música que conversa muito bem com a faixa Jackie Tequila do álbum Siderado (1998) por se tratarem de um reggae que fala sobre uma personagem atraente e abordarem sobre sexo e diversão, mas ela se sobressai frente a faixa irmã.
De acordo com Samuel Rosa para a revista Rolling Stone Brasil, o álbum “foi, naquele período, a prova de fogo para nós e foi maravilhoso. Além de pop, o álbum tem uma dose de espectro do Skank, presente nas faixas “Sem Terra” e “Los Pretos”. Na entrevista ele ainda firma que, em comparação ao álbum anterior, Calango, O Samba Poconé é um aperfeiçoamento em termos estéticos e musicais. “É um disco mais bem resolvido e ousado, foge daquela cartilha do dancehall, a banda está mais atrevida no estúdio”.
A letra tem como inspiração um personagem fictício, Chico Amaral na verdade homenageia o bar Nacional de Minas que segundo Samuel Rosa no quadro Como Fiz Essa Canção em seu canal no youtube, juntava muitas mulheres bonitas. Nos países de língua espanhola, a canção foi traduzida ao espanhol e rebatizada como “Chica Nacional”, mas foi pouco explorada até pela gravadora que não viu necessidade de comercializá-la fora do brasil onde usaram a versão em português.
Sua letra tão explícita preocupou a banda de início, mas alguém falar que ela “não é nada diferente do que Mick Jagger já escreveu para os Stones”, foi o suficiente para eles ousarem ainda mais e fazerem um videoclipe com a participação de modelos e atrizes da Rede Globo Carla Marins, Ingra Lyberato, Shirley Miranda, Cibele Larrama, Dominique Scudera, Paula Burlamaqui, Vanessa de Oliveira e Paloma Duarte que exibiam seus corpos nus de forma sensual. O acontecimento foi polêmico em sua estreia na MTV Brasil, mas foi um sucesso tanto nacional quanto internacional, liderando em 1997 o ranking da Billboard na Espanha durante três semanas, o que levou o grupo a receber o Prêmio Ondas na categoria de Grupo Revelação Latino desse ano ficando na frente de muitas bandas como o U2 por exemplo.
Samuel disse no seu quadro Como Eu Fiz Essa Canção que a gravação foi bem fluída e divertida, com ele tentando mudar seu sotaque para brincar com a letra de Chico Amaral em cima da base de bateria pré-gravada de Haroldo.
16. Jackie Tequila
Desde 1992 o Skank pôde contar com as letras e melodias de Chico Amaral, um letrista fora de série conhecido por ser o quinto membro ou membro do grupo mineiro. Segundo Samuel Rosa, em participação no show do letrista em 2019, o Chico Amaral ter aparecido logo na gênese, no inicinho, foi providencial e que “sem ele não existiria o Skank”.
“Além de ser meu primeiro parceiro, foi o Affonsinho quem me apresentou ao Skank. Ele já conhecia o empresário da banda, Fernando Furtado, e quando comentaram que estavam em busca de um letrista, disse que sabia onde encontrar. Ao longo dos anos, compomos juntos mais de 70 músicas”, comenta Chico.
Jackie Tequila é uma dessas parcerias onde se fala de um personagem fictício. Chico Amaral participa não só na letra, mas também nos naipes de metal em seu sax nesse reggae. Ela explora a história de um cara que ficou apaixonado por Jackie Tequila, e durante a música conhecemos melhor essa “menina tão bonita que enjoa de vertigem, viagem de avião com hálito de virgem e dois olhos de amêndoa” que gosta de sair em busca de diversão. A música tem o acerto com a mistura do uso de sons eletrônicos aos metais usados em todo material da banda que contempla uma mescla de dancehall, reggae e calango. Bom comentar também que ainda tem a presença de Guilherme Callichio fazendo o característico assobio, preenchendo os vazios da música, algo muito marcante na faixa também.
Ao meu ver é uma das melhores dos shows, ela funciona muito bem ao vivo, trazendo uma boa energia com as pessoas cantando tudo e participando desde a introdução em que Samuel Rosa faz um “iêêêêooooo”.
15. Balada do amor Inabalável
Essa é uma das músicas mais fora da curva da discografia do Skank. Presente no álbum Maquinarama de 2000, eles criaram uma música meio bossa nova/rock ‘and’ roll, com piques de música eletrônica também, o que a torna em certo grau um pouco psicodélica.
Totalmente destoante das demais músicas do Maquinarama e até de tudo que fizeram antes e arrisco a dizer de qualquer som que tenham criado depois. A faixa surgiu inspirada no filme francês Um Homem e Uma Mulher (1966) do diretor Claude Leloch que contava com uma trilha sonora composta inteiramente por brasileiros como o Baden Powell e Vinícius de Morais.
Aqui o Samuel traz uma nova parceria, Fausto Fawcett foi o escolhido para fazer a letra da música. Segundo o vocalista, o novo companheiro de composição mandou um fax gigantesco, definido como um “pergaminho interminável” com o que veio a ser a letra de Balada do Amor Inabalável.
Fausto tinha escrito uma letra, não caótica, não prolixa, mas uma letra enorme. Porque talvez ele tenha pensado no Skank de Jackie Tequila, meio raggamuffin… Ela tinha o ritmo, mas falava uma porção de coisas e eu falei: “caramba, que letra enorme!”. Então liguei pro Fausto: “cara gostei da letra, mas ela é quase um livro!” Então ele me disse: “Samuel fique a vontade, sem cerimônia. Pode cortar, editar, faça você o que quiser com essa letra”. Então eu fui meticulosamente, sentei li tudo aquilo fazendo uma espécie de colagem(…) De todas essas parcerias, talvez eu tenha sido o maior letrista nessa dentre todas, porque no final das contas não tinha sido o que o Fausto tinha mandado. Então, por todos esses fatores, ela entra no maquinara sem a menor pretensão de ser o hit que ela se tornou.
Samuel Rosa, Como Fiz Essa Canção, 2020
14. Saideira
Carlos Santana, o icônico guitarrista mexicano sessentista, regravou a música. Só esse fato já faz Saideira ter sua grandiosidade inquestionável. Mas além disso, a música presente no álbum Siderado de 1998, que foi gravado em Abbey Road, o icônico estúdio em que os Beatles gravaram seus discos, tem um poder sem igual por também trazer um hábito tradicional brasileiro em seu refrão para se direcionar ao garçom/atendente do bar. O refrão “comandante, capitão, tio, brother, camarada” não tinha como dar errado.
Essa música também traz um parceiro diferente dos habituais, Rodrigo F. Leão do Professor Antena que assina a confecção da letra desse som estimulante e que realmente soa latino américa. o que justifica Carlos Santana ter se identificado com a canção ao ponto de regravá-la no vigésimo terceiro álbum de sua carreira, Corazón de 2014, e ser a música de trabalho; né pouca coisa não!
Em sua versão original, da qual gosto muito também, Haroldo e Lelo dão toda a ginga necessária com o trabalho bem estruturado por parte dos metais que contou com Chico Amaral, Jorge Continentino, Simon Clarke e Tim Sanders. Mas quando escutei a versão do Santana me bateu um orgulho que imagino que seja até maior por parte do Skank do que dos fãs. Por isso não tinha como deixar outra versão abaixo se não a do guitarrista mexicano.
13. Ainda Gosto Dela
Essa forte balada pop do álbum Estandarte de 2008 é muito atual. Seu ritmo mescla a ideia do “feliz e triste ao mesmo tempo” do post punk com uma harmonia acústica dançante.
É uma canção (dentre tantas outras) feita com Nando Reis, mas que tem algumas peculiaridades que a distingui das demais. Uma delas é por ter a participação da cantora Negra Li que potencializou a música, dando um toque mais soul e brilhante nos vocais dividindo o refrão com Samuel Rosa que canta a faixa numa região mais baixa e sóbria. O outro fato é ela ir do acorde menor para o maior, o que fez o nome da musica inicialmente receber o título de “Menor Maior”.
Dudu Marote, que é um produtor que teve muita participação no processo criativo de diversos hits da banda, conseguiu adicionar uma levada que traz essa identificação do indie rock com a música eletrônica e segundo Samuel Rosa tem um pouco de Jorge Ben Jor como uma influência para a letra de Nando Reis.
12. Tão Seu
Essa foi escolhida para ser a música de encerramento daquele que foi o possível último show da carreira do Skank após o anúncio de que iriam parar as atividades enquanto banda para sempre ou por um tempo, vá saber. O que se tem como certo é o grande potencial que ela teve desde seu lançamento e a confirmação assim que ela fez um estrondoso sucesso.
Com certeza uma das músicas mais conhecidas do Skank, provavelmente a que mais tocou em rádios. Ela está presente no álbum Samba do Poconé e teve a árdua tarefa de suceder Garota Nacional como música de trabalho. Apesar de não ter ganho um clipe, a faixa que é mais uma parceria com Chico Amaral, fala do início de uma relação e aproveitar as coisas da vida, “O nosso amor é novo é o velho amor ainda e sempre”, celebrando os programas que pode se fazer nesse início. Ela, assim como a maior parte do catálogo primário do Skank, fala sobre Minas e lugares de Minas Gerais também, mesmo que direta ou indiretamente, nessa música em específico se fala do cinema Cine Pathê.
Ao vivo ela ganha uma versão bem vitamínica e a dinâmica com o público é fantástica, não a toa é escolhida para terminar as apresentações de uma forma catártica.
11. É Uma Partida de Futebol
A primeira música que Nando e Samuel compuseram juntos, É Uma Partida de Futebol foi um marco! Mais uma das faixas presentes no álbum Samba do Poconé , ela foi uma febre no país inteiro e até de forma internacional. Com essa música, o Skank representou o Brasil no “Allez! Ola! Olé”, disco oficial da Copa do Mundo de 1998.
Bem, ela começou a ser desenha mediante ao encontro dos Titãs com o Skank no programa que gerou um campeonato de futebol entre músicos que ficou conhecido como Rockgol da MTV. Nando Reis já tinha se tornado fã dos caras por conta de algumas músicas que já conhecia do grupo como Te Ver que dialogava com as influências reggae de Aonde Você Mora, música que o titã havia dado ao Cidade Negra e que assim como a música dos mineiros fez um gigantesco sucesso. Com isso ele se apresentou ao Samuel e mediante as conversas, tendo o futebol como um dos interesses em comum, em pouco tempo definiram qual seria o tema da primeira parceria entre eles.
Nando que é São Paulino mandou um fax com a letra e pediu pra Samuel musicar. O mineiro torcedor do cruzeiro após mexer numa coisa ali e outra aqui da letra, além de fazer a melodia, criou um verdadeiro som que faria pra sempre a banda, que conta com dois cruzeirenses (Samuel Rosa e Henrique Portugal) e dois atleticanos (Lelo e Haroldo), ser uma referência mediante a músicas com o tema futebol. O riff criado por Samuel Rosa é matador e o naipe de metal se destaca, realmente fazem esse chamariz de “música de estádio”. Não a toa funciona muito bem em seus shows na hora de interagir com o público.
O clipe ficou muito representativo, foi filmado em meio a um clássico entre Cruzeiro e Atlético Mineiro em pleno Mineirão e ficou tão marcante quanto a música em si. Naquele ano, por conta de sua popularidade, faturou o prêmio de melhor música no VMB que era o principal e mais popular prêmio da emissora e de música feito no Brasil na época. O disco Samba do Poconé impulsionado por hits como É Um Partida De Futebol garantiu a ida deles para uma tour nos EUA e Europa tocando no mesmo festival que nomes como Black Sabbath, Rage Against The Machine e Echo & The Bunnymen.
10. Amores Imperfeitos
Finalmente chegou o momento de falar de uma música presente no álbum Cosmotron de 2003. Assumindo uma inspiração mais voltada ao rock britânico e psicodelia brasileira, o álbum não possui os tradicionais reggaes do início da carreira e dos álbuns anteriores. Dizem que Maquinarama (2000), Cosmotron (2003) e Carrossel (2006) são uma trilogia por justamente fazer essa transição de estilos do Skank.
Amores Imperfeitos é uma singela balada que corre por fora porque ela não figurou entre as mais tocadas nos rádios e não foi um hit nem do álbum. Ela ficou sendo o “patinho feio” em meio a Dois Rios e Vou Deixar, músicas de um alcance sem igual. Mas não é por isso que ela foi “deixada de lado”, muito pelo contrário, apareceu muito nos sets de showsa!
Ela tem uma pegada de folk rock setentista, e o que pode trazer essa percepção é o fato de Samuel usar a guitarra de 12 cordas. Ela recebeu uma boa lapidada por parte do produtor Tom Capone, figura importantíssima na trajetória dos mineiros, que em uma troca de olhares com o guitarrista, aconselhou a adição de um violão para ela não ficar com uma impressão de estar dura e com um vazio.
A frustração amorosa é o tema da música que além do belo trabalho de guitarra e produção do icônico Tom Capone tem a forte presença dos teclados de Portugal, um baixo pulsante de Lelo e a indefectível batera de Haroldo:
Há um certo encanto quebrado, por mais paradoxal que possa parecer, mas no amor, numa relação, numa paixão quebra-se o encanto quando ela é bem sucedida. Posso estar falando uma loucura aqui, mas os amores que não duram tendem a deixar marcas, né? E há um certo lirismo, uma certa tristeza que é bem próprio desse tipo de canção. Muitas vezes pode pegar nas cores a questão da tristeza, mas eu acho que os amores que não são compreendidos e que não são vividos deixam marcas que merecem virar canções.
Samuel Rosa, Como Eu Fiz Essa Canção, 2022
09.Te Ver
Uma música muito simbólica dentro da trajetória do Skank. Trata-se do primeiro grande sucesso da banda, ela aparece no álbum Calango de 1994, o segundo disco. Eles gravaram no estúdio Nas Nuvens, famoso por pertencer ao Gilberto Gil e Liminha e lá terem sido gravados diversos discos da MPB e do rock nacional. A definição da capa é interessante também, ela tem o Lelo fantasiado estampando-a, o que reforça que não havia um protagonista na banda, e que ela funcionava como uma unidade.
Trata-se de um reggae bem feliz e romântico aos moldes do que era Aonde Você Mora, e é interessante que eles não a conheciam quando a compuseram e que também ainda não se tinha tido o primeiro contato da banda com o Nando Reis, mas que após o lançamento, Te Ver serviu como assunto para os músicos se conhecerem. Sendo bem exagerado, penso que ela tem a mesma pegada que Stir It Up ou Is This Love, ambas de Bob Marley, mas claro, guardadas as devidas proporções. Ela tem uma letra muito mais simplória, leve e bem romântica, ela possui apenas dois acordes e um baixo por parte do Lelo que dão todo o swing dançante ao qual ela pertence.
08. Canção Noturna
Uma das poucas músicas que Samuel Rosa não participa da composição. Ela foi escrita pelo Lelo com Chico Amaral e está presente no álbum Maquinarama de 2000. O Skank tinha acabado de romper seus padrões estéticos e estava apostando em um direcionamento mais pop rock, o Skank se alto desafiou a ficar sem naipes de metais.
Canção Noturna é uma música de estrada e fala de coisas como “espinhaço quase o mar” fazendo referência a serra dos pinhais de Minas, também fala das fronteiras da Venezuela. Fala de dervixe que surge aqui como uma analogia aos beatniks. Samuel Rosa a categorizou como “Tex-Mex” que seria como uma mistura da cozinha mexicana com a americana. No arranjo Samuel faz esse riff meio inspirado no Santana também.
Os backing vocals do Henrique Portugal aqui na versão ao vivo de Ouro Preto – para muitos a versão definitiva – são maravilhosos, bem como o Lelo que estava bem inspirado!
07.Três Lados
Inserida no álbum Maquinarama como a faixa de abertura, um álbum de ruptura de um modelo. Saia de cena o reggae e dancehall tradicional da banda e entrava um pop rock rasgado inspirado no brit rock sessentista e dos anos 90 que estava em alta.
Aqui temos algo diferente, Chico Amaral entrou de uma forma ainda mais poética e enigmática para a confecção de Três Lados. Versos como: “Escutei alguém abrir os portões, encontrei no coração multidões. Meu desejo e meu destino brigaram como irmãos, e a manhã semeará outros grãos” e “Cada um terá razões ou arpões, dediquei-me às suas contradições, fissões, confusões. Meu desejo, seu bom senso, raivosos feito cães, e a manhã nos proverá outros pães” elevaram as composições para outro patamar.
Além disso, a banda entrava cada vez mais no conceito de músicas de guitarra. Samuel se inspirou em George Harrison e utilizou do efeito slide pra fazer o riff. Essa questão foi importante para fazer a música se tornar tão cantante e estimulante até na parte instrumental. Fato comprovado na apresentação da banda em Ouro Preto, quando após ver um cara rodando a camisa, Samuel pediu para todos fazerem igual e isso se tornar uma tradição sempre que a música era tocada nas apresentações.
06.Resposta
“Bem mais que o tempo que nós perdemos, ficou pra trás também o que nos juntou.” Assim começa a segunda parceria de Nando Reis com o Skank presente no álbum Siderado de 1998. Essa música foi gravada numa fase em que o Titãs estava em alta por conta do Acústico MTV e durante a gravação do Volume 2, o que não estava dando tempo hábil e disponibilidade para Nando ouvir uma certa fita cassete com a melodia de uma nova música que Samuel compôs.
Quando se dispôs a ouvir, Nando estava no hotel Sheraton e escreveu a letra dela em uma noite apenas, mas demorou de enviar para Samuel Rosa a música com sua letra porque simplesmente estava na casa de Renato Massa (baterista icônico que trabalha com Marcos Vale) com Cássia Eller, Lanlan e Fernando Nunes mostrando suas composições e o que vinha produzindo. Voltando tarde desse dia mágico no que o músico chamava de “Castelo” situado em Santa Tereza, ele colocou a fita para ouvir, pois os pingos nos “is”, e enviou a música que tinha como tema o fim do seu relacionamento com a cantora Marisa Monte.
Tem algumas peculiaridades nessa composição, a primeira foi o acorde menor que Nando adicionou na faixa enquanto estava aprendendo a tocar a música, o que enriqueceu ainda mais a melodia. Em seguida, a música tem uma parte que fica bem explicitada que tem Marisa Monte como musa inspiradora a partir do momento em que se canta “ainda lembro o que eu estava lendo, só pra saber o que você achou, dos versos que eu fiz que ainda espero resposta”. Nando pegou essa frase inicial do segundo verso do nome do título da música de Marisa presente no álbum Mais. Cássia Eller achou a canção cheia de clichês e os Titãs ficaram morrendo de inveja do sucesso estrondoso que ela fez.
De todo modo, essa foi uma das maiores parcerias entre o Titã e o Skank que consolidou tudo feito depois de forma mais cíclica e vitoriosa. Ela foi a preferida para representar um novo começo que potencializaria o sucesso da banda, vide ela ter sido regravada por Lô Borges e Milton Nascimento. Certamente é outra que se falta-se no repertório dos shows os fãs iriam chiar.
05. Vou Deixar
Abrindo o top 5 fica Vou Deixar, uma das mais populares do Skank e que figurou desde trilha de cinema para repertório de blocos de carnaval. Ela foi lançada no Cosmotron de 2003, seu riff simples e safado faz essa ser a música mais “solar” de todo o repertório da banda e apesar de ser muito lembrada pelas guitarras que impulsionam a música à frente, o trabalho de baixo feito pelo Lelo aqui transcende em relação a muita coisa que ele deixou em registro com a banda, até mesmos os reggaes onde o baixo aparece mais.
Tem uma coisa na letra de Chico Amaral aqui que é muito divertido de imaginar, é como se “Deixa a Vida Me Levar”, do Zeca Pagodinho que estava estourada na época, conversasse com Vou Deixar. Ambas as músicas, em cada um de seus direcionamentos musicais e linguagem, trazem a mesma mensagem popular de aproveitar a vida. As músicas do Skank tem alguns versos um pouco enigmáticos, algo que é marca registrada do compositor, mas essa vai direta ao ponto, não a toa teve sua execução frequente nos rádios e até hoje, vira e mexe, aparece nas programações de rock e MPB.
O clipe psicodélico reforçou a onda brit rock ao qual a banda tinha mergulhado. cheio de cor, há uma intenção de contrastar com a energia ensolarada e alegre que Vou Deixar explora até o talo em sua harmonia e letra.
04. Acima do Sol
Composta na época do maquinarama, Acima do Sol foi preterida a ficar engavetada para projetos futuros que casassem com a sua proposta. Ela foi resgatada para ser escolhida como o único single do álbum ao vivo em Ouro Preto, um show antológico que a banda fez em Minas no ano de 2001.
Pra mim é a melhor composição da banda em termos de letra, Chico Amaral aqui não estava de brincadeira. Ele usou como tema o fim do relacionamento de um casal de amigos e ela meio que tenta fazer o amigo dele dar uma situada, então funciona como um alerta. Chico estava muito sentido pois gostava muito da união do casal e fez a letra em pura raiva e lamento.
Ela teve a brilhante produção do Liminha e o instrumental foi enviado completo para Chico trabalhar em cima. Muito necessária, até mesmo em Ouro Preto com seu imediatismo e primeira execução que beira na mistura do reggae/folk, se tornou mais uma daquelas que não podem faltar no show.
03. Formato Mínimo
Uma história fantástica em uma canção, certamente uma das melhores da banda e uma das melhores letras que dessa vez tem Rodrigo F. Leão como responsável. Definida como “coadjuvante com grande propensão a protagonismo” por Samuel Rosa, ganhou não só o coração dos fãs como também dos críticos. Basta ver o comentário feito por Mauro Ferreira, crítico musical renomado, que em sua coluna na plataforma Terra, deu ênfase ao “flerte aprofundado da banda com a MPB” não só na música, mas no Cosmotron inteiro. Ele ainda cita a letra de Águas de Março de Tom Jobim, e disse que Formato Mínimo evocava Construção, de Chico Buarque, “ao terminar cada verso com palavras proparoxítonas”. Essa interpretação é interessante porque foge da obviedade que a influência do rock britânico feito na época conduziu as composições do grupo.
Em analise, Samuel Rosa acredita que a história dela coincide um pouco com a de Ali por ser uma crônica do romance de apenas uma noite:
Formato Mínimo prima pela sua insistência em criar uma melodia sútil, delicada, leve, mas ao mesmo tempo com uma certa sofisticação.(…) Uma certa complexidade que traz benefícios pra essa canção.
Samuel Rosa, Como Fiz Essa Canção, 2021
Samuel também idealizou a parte sem letra como sendo uma marca registrada e preferiu não utilizar a letra que Rodrigo Leão escreveu. Uma ação que considero acertado, um verdadeiro golaço porque qualquer palavra “errada” que entrasse ali poderia estragar a catarse que é esta parte que não chega a ser um refrão.
A resolução é fantástica e sua melodia atípica se destaca e por isso aparece aqui na terceira posição que para muitas pessoas e fãs poderia ser a primeira no pódio. Aqui a versão ao vivo em São Paulo no Olímpia, que potencializa o trabalho de Lelo, Haroldo e principalmente o de Henrique Portugal que faz um solo orgástico.
02. Sutilmente
Uma das músicas mais lindas e criativas do repertório dos quatro mineiros e dentre as composições do Nando Reis, que tem um catálogo invejável de grandes acertos com baladas. Sutilmente está presente no álbum Estandarte de 2008 que faturou um Grammy Latino.
Ela traz aquele desafio que dá gosto de ver na relação entre Samuel e Nando nos processos criativos e de “troca de figurinhas”. Eles normalmente fazem assim desde Resposta: Samuel grava uma melodia numa fita cassete, entrega pro Nando e este desenvolve uma letra. Entretanto, dessa vez aconteceu o processo inverso, coisa que só tinha acontecido em É Uma Partida De Futebol: Nando enviou uma letra inspirada para que o guitarrista do Skank pudesse musicar. Após fazer um esboço e gravar, o guitarrista e vocalista do Skank achou que faltava algo, que a canção estava inacabada e sem conclusão e pediu um refrão. Nando de primeira não concordou, mas graças ao apelo do companheiro de composições, deu o braço a torcer e após ouvir a melodia que Samuel adicionou para o que veio a ser o refrão, voltando aos moldes tradicionais, colocou a letra para a nova parte e a música foi concluída.
“Uma letra incisiva e muito forte, com potencial para se tornar uma boa canção” assim classificou Samuel Rosa a letra que recebera do ex-titã. Segundo Nando, ela foi feita de forma desafiadora. Em 2007 ele foi chamado pela revista Marie Claire para escrever um texto para uma matéria onde vários compositores e escritores contribuíssem no tema “uma carta para a pessoa amada”. O texto era boa parte da música, foi fictícia a pessoa, foi mais pelo desafio, mas levou muita gente a gostar.
Quando ele me mandou a música e eu ouvi, eu falei ‘nossa tá maravilhosa!’ achei lindo, extraordinário, estupendo a maneira como ele musicou aquele poema e colocou vida. Sabe, musicar uma letra é um negócio difícil. Porque não é simplesmente cantar aquilo, é encontrar a forma de dizer alguma coisa. Na verdade, é o que remete a qualquer trabalho de composição, o inverso também é verdadeiro, quando ele me manda uma melodia, botar uma letra não é simplesmente preencher as casinhas, é encontrar na forma da melodia algo. escrever letras sobre melodias é como montar um quebra cabeças no escuro.
Nando Reis, no seu vídeo do youtube ‘A história de “Sutilmente’, 2020
Foi uma gravação bem minimalista e direta que recebeu um adicional de belo arranjo de cordas. O Skank teve um zelo bem diferente mediante a ela frente a tudo que já tinham feito antes, porque a confiança era tanta de que tinha ali um material de primeira que o perfeccionismo exacerbou. É mais uma que desde lançada ficou obrigatória nas apresentações do fab 4 mineiro e passou a ser tocada por Nando em seus shows também. Até por isso coloco a versão que o Skank fez ao vivo com o ex titã abaixo.
01. Dois Rios
Dois Rios do álbum Cosmotron de 2003 é a nossa número 1. Arrisco a dizer que é a música mais bem estruturada e com o melhor arranjo dentre todas do Skank, a história de sua confecção também a torna mitológica e a coloca em outro patamar devido aos compositores envolvidos.
Com a melodia muito inspirada no rock britânico e soft pop dos anos 70, Samuel Rosa tinha uma ambição de tornar essa música algo realmente grandioso. Então ele falou da melodia para o Nando Reis, mas naquela época estava se encontrando muito com Lô Borges, um dos maiores heróis do rock nacional e de Minas por conta do Clube da Esquina, e mostrou para o novo companheiro com “lararas” onde ficariam as partes cantadas o que tinha feito até ali. Todavia, Lô achou que a música já estava pronta e não tinha como colaborar. “tem parte A, parte B, refrão está tudo aí” teria dito o músico. Samuel não aceitou o não como resposta e disse: “Lô, vou gravar ela, você leva ela em casa, escuta com carinho e vê se não dá para colocar uma outra parte.” A contra gosto, Lô aceitou o desafio e dias depois mandou a parte que faltava que dá pra dizer que funciona ou como uma ponte ou segundo refrão.
Para o Nando Reis ficou a incumbência de decifrar os “lalalas” e “letrar” a música. Diferente de outros processos, essa música o letrista não se preocupou em aprender a tocar a música e se baseou apenas na melodia e no cantarolar de Samuel Rosa. Havia uma pressão mediante a demora para entregar a letra, e pressionado o titã não estava vendo ter capacidade de entregar algo a altura de uma melodia tão incrível. Essa insegurança frente ao prazo e a qualidade surgiu a letra pro refrão que funcionou como ponto de partida para o restante da letra.
A partir dessa imagem dos lábios como dois rios, e ao mesmo tempo da duplicidade que dois lábios se beijem, que seriam 4 mares, mas ao mesmo tempo os lábios como um conjunto são duas margens que significam duas pessoas que se fundem no fluxo líquido invisível das sensações do sentimento que é o amor.(…) Tanto quanto o movimento de dois rios como duas pessoas sem direção, porque quando se junta não se conhece qual será a direção dessa junção, das duas vidas.
Nando Reis, a história de Dois Rios, 2020
Então veio a partir dessa organização de pensamentos, a simetria para utilizar de metáforas dentro de um eixo que se apresenta com esse tema de início de relacionamento, veio o simbolismo com o universo, questionamento entre a relação do céu e chão, claro e escuridão, assim como “o destino das pessoas enlaçadas em um sentido único”. Em suma a música é sobre atração e uma relação. Uma interpretação bem interessante está no comentário da seguidora de Nando para a analise da letra, ela disse:
“Dois rios inteiros sem direção”, para mim sempre foi um beijo apaixonante que te deixa sem fôlego, sem direção. “O céu que toca o chão”, o beijo que me aos céus. “O dia e a noite as quatro estações” esse amor se tornou eterno.
Leticia Toni Silva, comentário no vídeo A História de Dois Rios, 2020
A música foi o primeiro single e o clipe da música acompanha brilhantemente o conceito da letra de Nando. O resultado final que contempla o piano de Henrique Portugal e mais pra frente todos os integrantes do Skank, trazendo os melhores desempenhos no estúdio para uma música já feito pela banda, foi premiadíssimo. Dois Rios ganhou as rádios do Brasil (e o prêmio de melhor videoclipe pop no Video Music Brasil 2003), o grupo se lançava em mais um giro internacional, com passagens por Portugal, Inglaterra e Bélgica, além de uma histórica apresentação no palco principal do festival de Roskilde, na Dinamarca, ao lado de grupos como Blur e Cardigans. O álbum Cosmotron vendeu por volta de 210 mil cópias, segundo o site oficial da banda.
Correção: sobre Ainda gosto dela, “outro fato é ela ir do acorde maior pro menor”. Na verdade é ao contrário, do menor para o maior. Por isso que quando ainda não tinha nome chamava-se Menor maior.
Música boa de tocar! 🙏🏼👏🏼🤘🏼
Verdade, valeu pelo toque!