Review: Harry Styles – Harry’s House

Um cara tão festejado pela nata do rock e pelo jornalista e cineasta Camaron Crowe não pode mais ser considerado um adolescente de boy band sem importância, o novo álbum que escancara a intimidade de Harry Styles traz o porque disso; a maturidade chegou. Estou convencido que temos aqui ao menos um artista de extremo bom gosto e que trouxe os três discos mais interessantes da última década e do início desta. O cara simplesmente não erra!

Roani Rock

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Gravadora: Columbia / Erskine
Data de lançamento: 20/05/2022

Gênero: Pop Rock
País: Inglaterra


Harry Styles é um artista do presente, não tem forma melhor de defini-lo. Ele passou por todos os dramas comuns de um rapaz que tem 28 anos, assim como muitos de sua geração (comigo incluso), viu a evolução da tecnologia e os artistas passarem a ser reféns de mídias sociais. Todavia, ele não é qualquer um, fez parte de um reality show, fez mega turnês pelo mundo todo com o One direction, entrou em carreira solo e agora fazem cinco anos e oito dias do lançamento do seu álbum de estreia e apesar de nem termos sentido, já faz dois anos e meio que o segundo álbum radiofônico o fez conquistar sozinho o mundo do pop, apagando qualquer vestígio do seu tempo na boyband e o tornando um comunicador com as novas gerações.

O lançamento deste terceiro álbum traz consigo a maturidade do artista. Harry’s House que chega pela própria gravadora do artista, Erskine, em parceria com a Columbia / Sony traz uma aura de tranquilidade e fluidez que os trabalhos anteriores – apesar de muito bons – não conseguiram atingir. Segundo o músico é “o álbum que sempre quis fazer e que possui suas coisas preferidas” e isso é bem ressoante ao escutar de cabo a rabo. O debut, apesar de ter excelentes canções, vem junto com um nervosismo da incerteza da estreia após saída de um grupo mundialmente famoso, isso dá para sentir de cara por mais que o clima jamaicano (local onde foi gravado) o disfarce um tanto. Já Fine Line, o segundo da discografia, soa hoje em dia como um desafio, e com isso a pressão de fazer algo que realmente trouxesse um impacto popular sabidamente alcançado, principalmente pelo mega hit Watermelon Sugar.

As It Was foi a primeira música disponibilizada do novo trabalho, ela tanto em sua versão de estúdio quanto na agora tão celebrada versão ao vivo no Glastonbury evocou os anos 80, tempo tão rebuscado atualmente pelos principais nomes da música pop como Weekend. Ela é um pastiche da melodia de Take On Me do A-HA que se você só focar nisso vai se incomodar um pouco, mas vendo o tom agridoce de batida dançante com letra depressiva, o clássico “feliz e triste ao mesmo tempo” do post punk, se faz compreensível o hit ter quebrado a internet. Faço um convite para escutarem o cover do Arcade Fire para essa música feito para a BBC radio 1, eles tornaram a música ainda mais interessante.

Com o álbum lançado, escutamos uma primeira parte que esboça o porque da parceria com Kid Harpoon e Tyler Johnson dar tão certo e porque ir pra uma direção synthpop era o caminho. É certo que não foi colocado de lado o Funk, R&B e folk, tão presentes em Fine Line. O rock setentista foi pro banco de reservas desta vez, o que não quer dizer que ao fazer isso com o gênero ao qual se apoiava ele tenha sido inovador, mas nem precisa. Ele explana seu bom gosto estilístico com a dançante abertura Music for a Sushi Restaurant, ganhando o público para seguir fazendo as pessoas se sentirem confortáveis para entrar na “sua casa das ideias”.

O clima segue dançante com Late Night Talking, um funky com propensão a virar o segundo hit do álbum. Ele continua criando músicas tendo frutas como ponto de partida para determinar a ideia da temática da canção. Grapejuice, a terceira faixa do álbum, tem aquela conotação de embriagues do vinho, diferente da sexual de tantas outras de seu repertório, ela é bem contemplativa e tem aquele efeito na voz que parece que Harry está falando ao telefone é a mais fraca do disco, mas frente aos outros trabalhos presentes aqui, não chega a ser esquecível, no contexto do álbum ela até tem seu lugar cativo, mas só isso.

O album é bem intimista, Harry Styles expõe ao máximo suas fragilidades e como foram seus antigos relacionamentos, aparentemente não superados. Daylight que possui um belo sintetizador e piano de Nahi e Charlotte, traz a tona uma história de afastamento e um curioso relato sobre cheirar cocaína na cozinha. Apesar do relacionamento dilacerante na história há momentos de puro amor e desejo, o nome da música por si só da pistas de que a protagonista é Taylor Swift, ex-namorada do músico que usa a frase daylight em uma de suas canções. “Se eu fosse um pássaro azul / eu voaria para você/ Você seria a colher / Mergulhe no mel para que eu possa estar grudado em você” diz o verso poético em tradução livre.

A faixa Little Freak é um pouco comum demais, tem sua doçura no arranjo apimentada pelo baixo do lendário Pino Palladino e arranjos minimalistas, mas fecha de forma ok a primeira parte do álbum. O lado B começa com Matilda, uma balada folk que nos remete a Cat Stevens. Ela se tornou a faixa mais popular do álbum entre os fãs e não foi por sua letra ter inúmeras referências ao enredo do filme Matilda (1996), mas sim por abordar questões profundas sobre a vivencia das pessoas, uma geração atormentada pela dificuldade de encontrar um lugar seu no mundo.

No formoso Lado B do Harry’s House temos um pouco mais de agitação e temáticas mais leves como o relacionamento do cantor com a diretora e atriz de cinema Olivia Wilde, que recentemente dirigiu um filme estrelando o próprio Harry Styles. A música em questão é Cinema que aumenta a ousadia disco music com a presença de John Mayer nas guitarras em um trabalho primoroso para a faixa funky. Acredito que para os fãs de Mayer e até para os que acompanham por onde passa o Pino Palladino, as faixas das quais eles aparecem vão cair no gosto de forma geral, mesmo que essa pessoa não curta o trabalho do artista estampado no disco.

Mayer ainda aparece em outro número, mais uma vez dando um toque de classe pra uma das mais brabas do álbum. Daydreaming possivelmente a que mais vai na onda soul dos anos 70/80 com a utilização de trompetes e exagerados agudos se destaca com facilidade. Talvez até por conta da semelhanças com a faixa Ain’t We Funkin’ Now, que de tão escrachadas os compositores do hit dos Brothers Johnson lançado em 1978 são creditados como coautores. Keep Driving por sua vez tem um arranjo fantástico apesar de não ter variações, ela realmente nos transporta para um passeio de carro com o sol se pondo. Mas se ela ser tão reta incomodar, com Satellite a coisa muda graças ao refrão contagiante e a fantástica batera de Sarah Jones; sempre precisa.

Para aqueles que sentiam um pouco de falta da sonoridade setentista dos discos anteriores, provavelmente Boyfriends irá satisfazê-los. trata-se de uma canção folk que evoca os vocais de Crosby, Stills and Nash com uma letra que Leoni seria incapaz de colocar em uma “Garotos III“- ou não. Ela é um desabafo gritantemente e sincero inspirado, segundo Styles, tanto em suas próprias atitudes insensíveis com ex-namoradas quanto em relacionamentos não-saudáveis que ele presenciou sua irmã viver. Ela possui um belo dedilhado feito por Ben Harper em sua guitarra história com que gravou seus primeiros álbuns suavizando ainda mais as coisas. Serve quase como um interlúdio para a densa Love of My Life, que realmente se torna uma justa despedida dessa casa tão fascinante e cheia de histórias.

Pode interpretar como uma brincadeira, mas sinceramente, quando vi o título, achei que seria um cover do Queen e fiquei esperançoso por isso. Até porque, já presenciamos o músico fazer versões interessantes para grandes clássicos do Fleetwood Mac, Peter Gabriel e Joni Mitchell. Mas infelizmente se trata de um som autoral, muito bonito, mas que deu uma quebrada na expectativa.

Harry Styles em muitas de suas músicas cuidadosamente evita definir o gênero da pessoa pra quem está se dirigindo, isso parece crucial para todo o seu empreendimento; é o que o diferencia de qualquer um dos ídolos adolescentes que o precederam – e parte do que o tornou um tipo de líder de pensamento da Geração Z acordado como um galã de colete sem camisa. Styles significa inclusão, respeito e sensibilidade, embora nada disso tenha acontecido às custas do charme contorcido que ele derramou por todo o palco do Coachella em um macacão de lantejoulas arco-íris. Acredito que seja por conta do público conceder essa liberdade a ele que fez o artista buscar esse diálogo e trazer essa sensação de abrigo para os seus fãs em seu novo álbum.

Harry’s House provavelmente é a confirmação de que o cara tem bastante lenha pra queimar ainda, não aceito dizer que é seu trabalho definitivo, mas certamente representa uma evolução e maturidade. O presente é agradável, mas se pensarmos que ele tem apenas 28 anos, fico ansioso para ver o que virá no futuro.

Nota Final: 8,5/10

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