Por Roani Rock
Bem vindos a mais um revisando clássicos, aqui analisamos discos atemporais que, de alguma forma, marcaram a história da música de maneira revolucionária. Traremos uma introdução ao álbum contando fatos que o fizeram importante para a carreira da banda, um faixa-a-faixa e por fim, citações das principais mídias especializadas em reviews. Hoje vamos falar de um álbum especial determinante pro cenário folk nos anos 70, o emocional e íntimo Blue de Joni Mitchell que está na lista daqueles que completam 50 anos em 2021.

INTRODUÇÃO AO ÁLBUM
Estamos no início da década de setenta, época mais frutífera da música em todo o mundo, com a criação de diversos estilos musicais. Foi um grande período em que as músicas com contexto político e de efeito social estavam em alta. Canções ao violão e piano, pregando paz e amor na “era de aquário” era o que, de entendimento geral, deveria ser feito desde meados dos anos 60 até os discos de Jimi Hendrix e o Sgt Peppers, quando essa percepção foi mudada para entrar num caminho mais lisérgico com guitarras pesadas tendo o efeito de quebra da contracultura de forma subversiva.
Voltando a essa linha de sons ao violão, um dos percursores do folk rock foi Bob Dylan e como artista mais influente, sua vontade atingiu muita gente nos anos 60, em especial os Beatles, o que expandiu a mente dos 4 rapazes de Liverpool que saíram de um contexto pop de canções de conquistar uma menininha para falar sobre outros assuntos, ou ao menos falar de amor com um vocabulário mais rebuscado. Além dos ingleses, teve artistas da Califórnia como David Crosby do Byrds e trovadores canadenses, esses seriam Neil Young e a cantora Joni Mitchell, que souberam se inserir nesse universo folk de forma destacada e tão influente quanto Dylan.
Joni Mitchell se estabeleceu na Califórnia e lá enraizou laços e conexões na comunidade de músicos em Laurel Canyon. Lançou três discos de estúdio, pelo selo da Reprise Records com a ajuda do então naquele momento bem reconhecido e talentoso, David Crosby. Com a produção dele, o primogênito e bem cru Song to a Seagull nasceu, o segundo conhecido como Clouds com maior controle da produção que no primeiro (inclusive, a capa é um auto retrato pintado por ela) também trouxe burburinhos e identidade para a cantora.
Como bem lembrado por Don Heckman do New York Times, “escrever 10 ou 12 canções originais para um álbum é uma realização mais difícil do que a maioria das pessoas imagina. Escrever o material para quatro álbuns em um período de dois anos e meio ou mais, como fez Joni Mitchell, é o suficiente para confundir a mente – ela conseguiu sustentar, naquele tempo, um ímpeto artístico relativamente persistente.”
O terceiro álbum é o mais pessoal dela até aquele momento, chamado de Ladies of the Canyon foi lançado em 1970, tendo o envolvimento da sua turma que fez parte da vizinhança do Canyon: Stephen Stills que já tinha participado dos outros álbuns, o então namorado Graham Nash e os excelentes David Crosby agora não mais só na produção e Neil Young. Estes serviram tanto tendo suas músicas como parte do repertório, como sendo fontes de inspiração nas composições – como no caso da canção Willy feita pra Nash que tem “William” como nome do meio e The Circle Game que é uma reposta a Young.
Tudo parecem flores, entretanto para a criação de Blue muita coisa aconteceu no período de um ano e a artista através de sua arte resolveu se debruçar em sua própria história e expor, mesmo que com sutiliza em sua dor, parte de sua vivências, as boas e as traumáticas. O fim do relacionamento com Graham Nash, que estava no projeto em conjunto com Crosby e Stills (o CSN), por exemplo podemos dizer que funcionou como força motriz. Mitchell decidiu partir para a Europa, onde viajou pela Grécia, Espanha e França. A sua principal sede de exílio foi a ilha de Creta, onde fixou residência numa caverna no meio de uma comunidade hippie na aldeia piscatória de Matala.
Há muito mais do que uma viagem pela Europa e um rompimento em meio as 10 músicas que totalizam um pouco mais de 35 minutos, o certo é que apesar de parecer que ela fala diretamente com a nossa alma e que podemos nos identificar nos versos, tudo está em primeira pessoa e em primeira mão. Blue é ainda o equilíbrio perfeito entre folk e experimentação, fragilidade e imensa força, entre angústia e crença no futuro. Com amor, política e porque não, emponderamento feminino.
Blue foi um avanço na carreira e o álbum foi um sucesso comercial. No Canadá, o álbum alcançou a posição número nove na Canadian RPM Albums Chart. No Reino Unido, o álbum alcançou a posição número três na UK Albums Chart e foi certificado com dupla platina pela British Phonographic Industry (BPI) por vendas acima de 600 mil cópias no Reino Unido. Nos EUA, o álbum alcançou a posição 15 na parada Billboard 200 . Também no Canadá o álbum apareceu n Chartattack na primeira posição na lista de Os 50 melhores álbuns canadenses de todos os tempos feita no ano de 2000, já nos EUA ela conseguiu na lista mais atual dos 500 melhores álbuns de todos os tempos pular do 30 lugar que tinha sido alcançado em 2012 para o segundo da lista de 2020.
Naquele período da minha vida, eu não tinha defesas pessoais. Eu me senti como um invólucro de celofane em um maço de cigarros. Eu sentia que não tinha absolutamente nenhum segredo do mundo e não podia fingir na vida que era forte. Ou para ser feliz. Mas a vantagem disso na música era que também não havia defesas.
Joni Mitchell

FAIXA-A-FAIXA
Um faixa-a-faixa se torna conveniente, seguiremos a ordem numérica já que elas todas tem sim a sua importância, não só em termos mercadológicos, mas também para a história das bandas envolvidas.
Antes de começar, eu gostaria de replicar esta fala de Mitchell quando ela foi questionada sobre que música foi feita pra quem. “Não importa quem seja o cara. Muita atenção é dada à fofoca e não à arte.”. Mas, como aqui fazemos questão do subtexto e contexto, traremos algumas confessas inspirações dadas pela artista
All I Want
Essa é uma das faixas mais alegres do disco, ela transborda em um relacionamento, uma questão de devoção ao mesmo tempo que de liberdade. O que se diz sobre ela – e que se leva em consideração frente a sua origem – é que Joni Mitchell estava namorando James Taylor durante a produção de Blue e esta música contém referências específicas ao relacionamento dela com o cantor e compositor, como por exemplo o verso em que fala sobre fazer um suéter.
Quero me divertir, quero brilhar como o sol
Quero ser quem você quer ver
Quero tricotar um suéter para você
Quero escrever uma carta de amor que
Tem quem diga que na época ele passou a usar um colete de suéter supostamente feito pela cantora. Entretanto, ela sempre deu respostas evasivas quando perguntada e o cantor e violonista deu a seguinte declaração à revista Uncut em 2018:
Não acho que essa música tenha sido escrita sobre mim. Joni já tinha essa música quando nos conhecemos… Eu fui o responsável pelas guitarras quando ela a gravou. Achei que era uma bela música … Eu queria que fosse sobre mim!
James Taylor
My Old Man
Blue é um daqueles discos frequentemente descritos como “pessoais” – a própria Mitchell o descreveu como tal – o que significa que tende a ser um tanto insidiosamente aprisionado pelas histórias que o cercam.
Em entrevista ao New York Post, Graham Nash que é um dos personagens que inspiraram o álbum, deu alguns detalhes com emoções mistas. As faixas do Blue que são especificamente sobre ele – My Old Man e River – cobrem sua relação de extremos opostos do espectro: Na primeira, Mitchell canta sobre uma felicidade doméstica que “não precisa de nenhum pedaço de papel ”, enquanto o último é um lamento de rompimento sobre perder “o melhor bebê que já tive ”.
Ainda sinto algumas emoções que não deveriam estar juntas: uma delas é a tristeza e a outra é a incredulidade de como ela é brilhante.
Graham Nash
Little Green
Little Green é uma das canções mais profundas do álbum, a que terminamos por ter a noção de que estamos dentro de um confessionário, uma página de seu diário, talvez. A faixa, não é sobre um homem, é sobre a própria filha que Joni Mitchell deu para adoção em 1965:
você assina todos os papéis com o nome da família,
fica triste e se arrepende, mas não tem vergonha de
little green ter um final feliz
Mitchell deu à luz a uma menina em 1965, ela a chamou de Kelly Dale. Ela escolheu o nome Kelly em homenagem à cor verde kelly, que representava a primavera – daí o título da música. Isso ocorreu seis meses antes de viajar de Saskatchewan para Toronto. Ela fez isso para manter segredo de seus pais. O pai da criança a abandonou, mas Joni tentou mantê-la e estabelecer uma família casando-se com um cantor chamado Chuck Mitchell (daí que vem seu sobrenome), mas não deu certo. Ela explicou em uma entrevista feita em 1998 ao Toronto Globe and Mail a situação: “Eu era muito pobre. Uma mãe infeliz não cria um filho feliz. Foi difícil me separar da criança, mas tive que deixá-la ir.” Joni e sua filha até se reencontraram em 1997, mas não teve um final feliz – romperam o contato alguns anos depois.
Carey
Essa música é uma das que tem a história mais peculiar possível. Ela foi escrita durante o tempo de Joni Mitchell nas cavernas da ilha de Matala em Creta, de março a junho de 1969. Era um retiro popular para os hippies dos anos 1960, que iam para lá em busca de iluminação e acabaram dormindo nas antigas criptas funerárias romanas.
Cary Raditz, um chef americano de cabelos rebeldes que foi abençoado, nas palavras de Mitchell, com “olhos azuis de aparência feroz” e “a marca de Caim na testa”. Os dois começaram um relacionamento. Ele também tinha cabelos ruivos flamejantes e costumava usar turbante. A forma como se conheceram, segundo a cantora, foi bem louca:
Carey Explodiu de um restaurante na Grécia, literalmente. Kaboom! Eu ouvi, de frente para o pôr do sol. Eu me virei e um cara estava explodindo a porta deste restaurante. Ele era um cozinheiro; ele acendeu um fogão a gás e explodiu. Queimou todo o cabelo ruivo que tinha escondido pelo turbante indiano branco. Eu pensei, ‘Essa foi uma entrada interessante – vou tomar nota disso.’
Essa faixa tem a participação de Stephen Stills no baixo e guitarra, James Taylor também aparece tocando violão. O vocal de Joni Mitchell não só aqui, mas a todo momento, vai nas contradições, ela gorjeia com vibrato, mas é adstringente e áspera também; é acrobático, mas fundamentado; vulnerável mas indestrutível; bem-educado e cheio de oitavas, mas também tão natural quanto respirar ou falar.
Blue
Blue é a canção-título do álbum de 1971 e é a última do lado A do formato em vinil. Em um dos arranjos mais bonitos com uma intro que lembra as de canções de ninar, ela traz na letra dessa música basicamente uma conversa franca com sua própria tristeza, dissecando o estado de depressão. Já no primeiro verso do som ela faz umas analogias dizendo que “canções são como tatuagens”, dando sentido de eternidade, fala sobre imensidão ao falar de mar, sobre estabilidade ao falar de âncora e coroas e liberdade ao falar em “navegar para longe”.
A canção vai de uma carga pesada para um acolhimento em seus momentos finais. Dificilmente você vai encontrar algum artista que tenha conseguido abordar esses temas tão bem, tanto a tristeza quanto a auto aceitação, é tão arrepiante que os versos finais em tradução livre são esses.
Triste
Essa concha é pra você
Dentro dela você irá ouvir um suspiro
Uma frágil canção de ninar
Essa é minha canção para você
California
Nessa música, como o próprio título deixa bem sugestivo, Mitchell canta sobre voltar para sua amada Califórnia. Ela canta como se tivesse feito uma longa jornada – e de fato, ela fez. Depois de um rompimento difícil com seu namorado de longa data Graham Nash, Mitchell abriu caminho pela Europa.
Esta canção, e muitas das outras presentes em Blue, foram inspiradas no estilo jazz do grande Miles Davis. Mas um dos fatos mais interessantes é a presença do instrumento dulcimer Appalachian: é o primeiro som ouvido no disco e aparece n já citada Carey, California e também em A Case of You. Mitchell uma vez descreveu seu estado emocional durante a produção de Blue “como uma embalagem de celofane em um maço de cigarros”. Uma imagem adorável de fragilidade translúcida que é carregada no timbre cintilante do dulcimer, um estalo tenso e atraente tremeluzindo ao sol da Califórnia ou a chama de alguma vela compartilhada.
Mas meu coração pedia por você, Califórnia
California, estou voltando pra casa
Ah, faça eu sentir bem como uma banda de rock and roll
Eu sou sua maior fã
Califórnia, estou voltando pra casa
Robert Plant e Jimmy Page são grandes fãs de Joni Mitchell. A música “Going To California” do Led Zeppelin é influenciada por esta faixa. Abaixo uma versão ao vivo da faixa de Mitchell para termos o impacto do seu tocar no Dulcimer e claro, da sua potente voz.
This Flight Tonight
Joni Mitchell escreveu e lançou a música em seu álbum de 1971, Blue . A música fala dos arrependimentos de Mitchell quando ela deixa seu amante em um voo e deseja voltar, é tudo muito intenso mesmo que a voz dela adoce as coisas. A faixa também foi lançada como lado B de Carey.
Dois fatos interessantes desse som é que ele recebeu na versão original uma força maior com o guitar steel de Peter E.”Sneaky Pete” Kleinow, fazendo esta ser a música mais rock do disco. O outro fato interessante é que a banda de hard rock Nazareth fez uma versão poderosa em 1973, com um arranjo mais pesado e o potente vocal de Dan McCafferty. E querem saber? Mitchell amou a versão e em sua turnê daquele ano em um show em Londres disse ao público: ‘Eu gostaria de abrir com uma música do Nazareth’!”
River
No início de 1970, o relacionamento de Joni Mitchell com seu namorado Graham Nash estava desmoronando. Ela estava se sentindo cada vez mais desconfortável com a adulação em massa que suas gravações estavam recebendo também, ela era avessa ao sucesso. A cantora precisava fugir, então ela partiu em uma viagem para a Europa, metaforicamente patinando em um rio para escapar da cena maluca. Enquanto Mitchell estava em Creta, ela enviou a Nash um telegrama para dizer a ele que seu romance havia acabado. Em River, a cantora canadense dá sua perspectiva sobre o relacionamento condenado enquanto anseia por escapar dos laços emocionais. Ela admite ser “difícil de lidar” e se culpa por perder “o melhor bebê que já tive”.
Foi tremendamente corajoso para ela revelar tanto de si mesma – e sim, de sua vida amorosa – naquele momento. Ela não estava se sentindo particularmente forte. Ela tinha muitas perguntas sobre sua vida e como deveria ter sido, talvez.
Graham Nash
A música, ambientada na temporada de férias, deixa Mitchell triste por ela não compartilhar o período de Natal com Nash. O acompanhamento do piano ao vocal, que é muito emprestado de Jingle Bells, adiciona ao seu toque festivo. Embora “River” tenha se tornado um padrão de feriado moderno, na verdade é uma canção de Natal que não é sobre o Natal (assim como “Jingle Bells”).
Por causa da ligação da música com o Natal, ela foi coberta por vários artistas em álbuns de férias. Na verdade, River é a segunda música mais gravada da obra de Mitchell, atrás de Both Sides Now. Capas bem conhecidas incluem as de Barry Manilow (em 2002), Sarah McLachlan (em 2006) e James Taylor (também em 2006). A versão de McLachlan alcançou a posição # 71 na Billboard Hot 100.
A Case Of You
Aqui temos a música mais emblemática do disco e provavelmente da carreira de Joni Mitchell. Aparentemente destinada não só ao seu relacionamento com Graham Nash, mas podendo somar ao encontro com James Taylor que tocou violão nessa, e há ainda clara evidência de que tem como principal inspiração o poeta e músico Leonard Cohen, sim aquele que compôs Hallelujah e que após sua morte virou um ídolo cult, mas que a galera dos anos setenta já sacava e admirava.
Acho que os homens escrevem de forma muito desonesta sobre rompimentos. Eu queria ser capaz de ser responsável por meus próprios erros. Se houvesse atrito entre mim e outra pessoa, eu queria ser capaz de ver a minha participação nele para que eu pudesse ver o que poderia ser mudado e o que não poderia. Isso faz parte da busca pela felicidade. Você tem que arrancar o joio da sua alma quando você é jovem, quando estão brotando, caso contrário, vai sufocar você.
Joni Mitchell a revista Mojo, 1994
E essa bravura inspirou a todos, desde Prince – que, depois de escrever uma carta de fã para Mitchell antes de se tornar a realeza de Purple Rain, iria fazer um cover de A Case of You – aos artistas de hoje, incluindo Brandi Carlile, Lana Del Rey e, claro, Taylor Swift. Ela foi percussora, acho difícil alegar que nunca tenha tido alguém falando em primeira pessoa, mas antes, as canções recorriam a um lirismo para criar distanciamento, eram histórias sobre terceiros para o artista não se colocar na linha de frente.
Há grandes momentos nessa música, um fato interessante além do uso do Dulcimer é a participação do incrível baterista Russ Kunkel na percussão. Mas falando sobre a melhor letra que temos na obra prima, no topo de seu segundo verso por exemplo, tem aquele que começa “Sou um pintor solitário / vivo em uma caixa de tintas” isso é tão profundo e amável. Há também as impactantes “Pouco antes de nosso amor se perder você disse “Sou tão constante quanto uma estrela do norte” ” que há indícios que Cohen ficou chateado por ela ter usado “uma fala sua” na música. Por fim, o que mais me agrada é o uso do vinho e da conotação sagrada ligando ao amor, está presente neste verso.
Ah, você está no meu sangue como vinho sagrado
Seu gosto é tão doce e tão amargo
Ah, eu poderia beber um engradado de você, meu bem
E eu continuaria de pé
O Que disse a Mídia?
De forma geral, a mídia gostou bastante do álbum, o considerou uma evolução para Joni Mitchell, sempre a colocando como uma cantora folclórica e consideraram que diferente dos anteriores, Blue conseguiu ser mais coeso com temas mais bem definidos, mas pecaram todos em querer dar mais destaque aos porquês das canções e quem seria o amante “homenageado” no álbum que trazem misto de emoções.
Analisando a mídia mais atual, o álbum não subiu a toa na lista da Rolling Stone de trigésimo lugar para segundo. No passar dos anos o reconhecimento passou a ser uma digna veneração, muitos textos interessantes, principalmente aqueles que foram dedicados aos 50 nos do álbum lançado em maio de 1971, foi difícil selecionar, mas separei os que mais me impactaram enquanto pesquisava e escrevia a matéria.
O problema, suponho, é de empatia. Suas canções são autobiográficas e a reação de uma pessoa a elas depende em grande parte de até que ponto podemos nos relacionar com as experiências que ela descreve. Em seus álbuns anteriores, ela lidou com as alegrias e tristezas do amor: a comunicação foi direta e muitas vezes (principalmente em seu primeiro álbum, que tratou das consequências de seu casamento infeliz) agudamente comovente. Mas agora, como dizem, o cenário muda. O sucesso dessas canções a tornou uma estrela do rock, um membro da nova elite, capaz de voar por capricho de Laurel Canyon para Amsterdã ou Espanha ou as Ilhas Agaean. As músicas aqui refletem as dificuldades de tal existência e, pelo menos para mim, é difícil me relacionar com elas. Há um pouco de dor de paixão aqui: onde uma vez ela descreveu o pesadelo da vida na cidade em Nathan La Freneer agora reflete sobre o doce dilema de ficar presa em Paris quando quer estar na Califórnia.
Melody Maker, 1971
Apesar da música-título, Blue é no geral o álbum mais livre, mais brilhante, mais alegre e rítmico que Joni já lançou. Mas a mudança de humor não significa que o compromisso de Joni com seu estilo naturalista muito pessoal tenha diminuído. Mais do que nunca, Joni se arrisca a usar detalhes que podem ser considerados triviais para pintar um autorretrato vívido. Ela se recusa a mascarar seu rosto real por trás das imagens, como às vezes fazem seus colegas autobiógrafos James Taylor e Cat Stevens. Ao se retratar de forma tão nítida, ela arriscou o ridículo para alcançar o sublime. Os resultados raramente são ridículos; em Blue ela combinou suas habilidades musicais populares com a pureza e a honestidade do que uma vez foi chamada de música folclórica e, por meio da combinação, ela nos deu alguns dos mais belos momentos da música popular recente.
Timothy Crouse, Rolling Stone, 1971
As canções alcançam todas as direções. Previsivelmente, eles fornecem uma visão do olho da mente da vida e dos amores da Srta. Mitchell, e ela claramente não é mais a inocente de seus primeiros dias. Agora ouvimos sobre viagens a Paris, Grécia e Amsterdã, sobre ventos da África e sua aversão pela ideia de que “o inferno é o caminho mais moderno”. Traços do velho capricho permanecem em canções como “A Case of You” e “The Last Time I Saw Richard”, mas na maioria das vezes o clima é introspectivo e sombrio – às vezes apaixonadamente. Eu suspeito que esta será a gravação mais desagradável da Srta. Mitchell, apesar do fato de que ela tenta mais e exige mais de seu talento do que qualquer outra. O público das canções de arte é muito menor do que o das baladas folclóricas, e Joni Mitchell está prestes a ter que tomar uma decisão entre os dois.
Don Heckmen, The New York Times, 1971
É claro que transformar a vida amorosa de alguém em um anel decodificador para investigar a música meio que perde o objetivo da arte. Até certo ponto, porém, Blue o convida: suas canções são ricas e, às vezes, meticulosamente detalhadas, e Mitchell concedeu alguns de seus aspectos mais documentais. Mas a maravilha da escrita de Mitchell é sua mistura perfeita de pessoal e público, o mundano convertido em universal. Blue não é um álbum específico, mas preciso, uma intrincada tapeçaria de ambiguidade. O título do álbum por si só é notável, uma única palavra que evoca tudo, de Picasso a BB King, de vistas cristalinas do oceano a mergulhos obscenos.
Jack Hamilton, The Atlantic, 2013
Com um modo de cantar e respirar tão próprio e acordes únicos, Joni Mitchell possivelmente não sabia que estava sendo tão transgressora. Mas lá estava ela, questionando tudo e todos: sexo, drogas, os Estados Unidos, o idealismo, o amor, o que nos faz feliz e o próprio rock. Joni Mitchell olhou na profundeza do mundo e viu azul. Talvez a gente nunca entenda completamente o que isso significa, mas passados 50 anos, isso ainda emociona.
Pedro Antunes, Splash – UOL, 2021
Um comentário sobre “Revisando Clássicos: Joni Mitchell – Blue”