Review: Bruce Springsteen – Letter To You

Por Luis Rios

O álbum foi gravado ao vivo, com pouquíssimos overdubs e com a banda interagindo como nos velhos tempos. Mas foi a primeira vez que todos estavam juntos tocando. Não teve segundo “take”! A última vez que fizeram de semelhante forma foi em The Rising (2002), que considero uma beleza de álbum também. Pelos relatos do próprio Bruce, foi um pedido deles. Os músicos aprendiam as músicas na hora com Springsteen apresentando-as ao violão e em seguida trabalhavam todos juntos na construção dos arranjos que estavam brutos. Não foram feitas demos por parte de Bruce e, assim, uma gama enorme de originalidade, trabalho em grupo e espontaneidade, aparecem de forma clara nas composições.

Luis Rios

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Gravadora: Columbia Records
Data de lançamento: 23/10/2020

Gênero: Bruce Springsteen 😀
País: Estados Unidos

Não há como poupar as palavras nessa resenha! Bruce Springsteen lança seu 200 álbum de estúdio, celebrando uma jornada de 47 anos – e com a E Street Band! Como não falar minuciosamente sobre esses caras? É realmente impossível poupar detalhes sobre a riquíssima e magistral carreira deste artista e dessa banda. É necessário um preâmbulo cuidadoso para que o álbum seja contextualizado de modo coerente e você possa entender o quão importante ele é pra nossas vidas. É imperioso entender como esse álbum marca mais um asterístico valioso na continuidade da longeva e prodigiosa carreira desta grande estrela do Rock.

Também seria leviano, até herético, resumir aquilo que este gênio disse ao longo de sua jornada, tamanha a importância sócio cultural e artística que ele tem. Desde Greetings From Astbury Park, NJ (1973), Bruce Springsteen vem compondo obras primas e produzindo álbuns que lhe renderam inúmeros prêmios. São 20 Grammys, um Oscar e outras comendas mais. Com certeza, essas premiações não conseguiram devolver a esse artista tudo o que ele nos deu. Destaco o meu predileto, Darkness On The Edge Of Town (1978), que é um dos álbuns da minha vida e que fala comigo de uma maneira poética e me causa uma comoção indescritível toda vez que ouço. Inclusive, acabei de ouvir e me deu mais vontade ainda de escrever sobre Letter To You. Por isso, preparem-se, porque lá vem estória…

Muitos artistas e pessoas como nós foram influenciados por ele. Muitas músicas se tornaram trilha sonora de momentos indeléveis em nossas vidas. E muitos pensamentos de verdadeira consciência ética, poética e moral, suas composições inspiraram. E ele continua… Sua obra transcendeu as décadas e as gerações pelas quais passamos e marcará as próximas. Digo isso, porque ele já nos brindou com vários discos grandiosos, inúmeros shows inesquecíveis e, agora, traz à luz mais uma obra dos sonhos de todo fã. Letter To You é uma mensagem repleta de carinho e entrega que corrobora com tudo aquilo que ele plantou em toda sua vida, penso eu.

O álbum possui 12 estupendas canções e dura em torno de uma hora, mostrando aquilo que ele e sua E Street Band tem de melhor. Muita melodia, energia, hammonds, saxofones, harmônica, dança, ritmo, baladas espetaculares, harmonias primorosas, pianos lindos, a guitarra do “The Boss” gritando e o drive de sua voz entoando sons mágicos e espalhando alegria e emoção. O que intriga é que a fórmula usada é conhecida, mas eles fizeram muito bem de novo. É, genuinamente, rock and roll da melhor qualidade e com muito apego às raízes da banda e ao seu legado. Ele avisou que seria um disco com a vitalidade e inspiração dos áureos tempos da E Street Band, que nos trouxe clássicos atemporais. E foi.

Voltando no tempo, como não lembrar, por exemplo, de Born To Run, Hungry Heart e Bobby Jean? Relembro dessas canções e de outras marcantes ouvindo as novas. Bruce expôs certa vez que tudo que um músico precisa pra fazer rock, ele aprende nos dois primeiros anos de estrada, mas que o rock é a musica mais difícil e desafiadora de se compor. Demorou um pouco, mas saiu o disco legitimamente Rock and Roll que nós e ele queriamos. E ele compôs rápido, com muita profundidade, em meio a sentimentos dolorosos e nostálgicos, mas ao mesmo tempo encontramos nele certa leveza. Letter To You não desaponta em nenhum momento. Tudo é correto. A sequência das músicas, o tamanho do álbum e, obviamente, a categoria das canções é latente. Desde 2014, com High Hopes, eles não davam o “ar da graça” e eu já sentia falta. Você não? Acabou a espera em grande estilo! Sendo sincero, acho que ele criou outro grande clássico. Do quilate de Nebraska (1982, sem a E Street Band), que é um petardo folk a là Dylan e de Lucky Town (1992 ), que muitos não acham um clássico. Não, não tento fazer comparações. Não ouso fazer isso, porque as fases da vida de um artista genial como ele se fundem e somam-se, fazendo com que ele possa produzir sempre algo com sua marca registrada. E esse álbum em questão é datadamente perfeito.

Não se pode dizer que ele criou um álbum como Born In The USA (1984), visto que estamos contextualizando a época e também o momento do artista. Mas talvez ele tenha criado um álbum que daqui a 15, 20 anos, será sentido como hoje é o citado acima. Quem sabe? Tudo a seu tempo! Quando fui reouvir recentemente os primeiros trabalhos, fiquei muito impactado quando logo em seguida botei pra rolar Letter To You. Fiquei imaginando, ao me deliciar com as melodias e as guitarras e o piano, os órgãos e os solos de sax, que Bruce Springsteen é eterno. Um artista que conheci tarde, mas que se tornou instantaneamente um ídolo e está sempre permeando minhas audições. Como perdi tempo…..!

As músicas novas tem muito de tudo que ele criou ao longo da carreira e o disco, ao mesmo tempo, explicita quem é hoje o Chefe! Deixa claro no que o caminho e as experiências o transformaram. As letras falam de perda, valores, sentimento de gratidão. A música tem a mesma explosão de sempre, com o timbre da guitarra inigualável. O disco é forte, único e desafiador. Aliás, as guitarra cortam você ao meio de verdade! Uma beleza! Deve ter muito dos “dedos” de Steven Van Zandt e Nils Lofgren. Entrosamento não falta entre os três na construção das linhas melódicas. Os órgãos e o piano são um caso a parte. Impressionam mesmo! Charles Giordano e Roy Bittan fazem a diferença. Temos violões espalhados por toda parte, deixando evidente o valor que é dado a influência de “Dylan” e o toque ‘folk” que é amplificado pelos hammonds e piano, e não podemos deixar de citar o Saxofone de Jake Clemons, sobrinho da inesquecível lenda Clarence Clemons. A alma dele está na música da banda sem dúvida alguma. Springsteen já tinha dado uma pinta de que está em forma com o último disco feito para a trilha sonora de Western Stars (2019), mas ouvindo de primeira o novo trabalho, fica muito evidente que é algo de muita inspiração e de uma profundidade tocante. São letras que falam de si, de como é estar numa banda e de seu posicionamento político filosófico, tudo com o selo Springsteen de qualidade.

O álbum foi gravado ao vivo, com pouquíssimos overdubs e com a banda interagindo como nos velhos tempos. Mas foi a primeira vez que todos estavam juntos tocando. Não teve segundo “take”! A última vez que fizeram de semelhante forma foi em The Rising (2002), que considero uma beleza de álbum também. Pelos relatos do próprio Bruce, foi um pedido deles. Os músicos aprendiam as músicas na hora com Springsteen apresentando-as ao violão e em seguida trabalhavam todos juntos na construção dos arranjos que estavam brutos. Não foram feitas demos por parte de Bruce, e, assim, uma gama enorme de originalidade, trabalho em grupo e espontaneidade, aparecem de forma clara nas composições.

Duas a três músicas eram aprendidas e gravadas por dia. Aproximadamente em 4 dias o disco estava todo gravado e um quinto dia foi utilizado pra ouvirem juntos. Estava pronto! Muita química e convivência amigável existe entre os caras, então fica fácil… Quando ouve-se com o mínimo de atenção, percebe-se nos arranjos um rock and roll que vem das entranhas, uma simplicidade eloqüente e muito sentimental. O disco é realmente emocionante! As composições também demoraram uma semana pra ficarem prontas e são um caso a parte. Springsteen estava saindo de uma de suas “performances” na Broadway em 2018 (inclusive essa foi uma experiência catártica pro Chefe… Não deixem de ver esse documentário!), quando um jovem o abordou e lhe entregou uma bela guitarra, dizendo que era um presente. Ele, estupefato, a levou e colocou em sua sala. Dias depois, soube que seu último companheiro vivo de banda (The Stilers – 1965 a 1968) na época da adolescência estava moribundo e foi prestar uma visita. Isso trouxe a inspiração que faltava para a composição de um disco de Rock and Roll básico, pungente, visceral, com letras muito humanas e emotivas, que ele já intentava fazer. Chegando em casa, ele pegou a guitarra que ganhara e o trabalho foi rápido!

Ouvi o álbum 3 vezes seguidas e confesso que na terceira audição estava realmente mexido com as letras, as melodias e, principalmente, com as vocalizações lindas. A banda é uma coisa que beira a perfeição, mas não num nível de técnica instrumental. Falo de entrosamento, feeling, magia, o que é algo muito raro nos dias de hoje. Você ouve a banda tocando ao vivo no estúdio e isso é maravilhoso! Não acredito que falar individualmente das canções possa trazer algo a mais para você que lê minhas divagações e o conteúdo informativo desta resenha. Saiba só que 3 músicas são “das antigas” e foram bem aproveitadas agora.

Fiz um apanhado geral pra que você ficasse a par do que significa esse disco pra nós fãs, pra música de Bruce e pro meio do Rock como um todo. É muito pertinente esse álbum pro momento atual, e se estivesse sendo lançado na década de 80, chegaria ao primeiro lugar nas paradas sem forçar. Ele chega acompanhado de um documentário dirigido por Thom Zimmy, que já está disponível na Apple TV+. Pra terminar, mesmo que você não seja muito fã deste enorme artista, penso que deveria se dar a chance de sentar confortavelmente e ouvir com atenção aos detalhes de cada canção deste disco: perceba as guitarras, as cadências, o sax, a voz, as quebras, a simplicidade. Tente assimilar a mensagem que está contida nas letras. Na verdade, o que você estará fazendo é se conectar com as preocupações, sentimentos e a pura arte de um dos maiores e mais relevantes poetas e músicos da nossa era. O que ele passa através dessa carta musicada pra nós é o alimento essencial que estamos sedentos e necessitados cada vez mais.

Se limpe de qualquer preconceito e se debruce sobre a obra do The Boss. Sobre este valoroso álbum, afirmo sem sombra de dúvidas, que ele nos escreveu uma carta de amor!

Nota final: 10/10

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