Review: Bob Dylan – Rough And Rowdy Ways

por Roani Rock

Analisar um disco do Dylan não é fácil, ouvir um disco de inéditas dele recuperando memórias do passado, é algo que tem que ser analisado meticulosamente e até a contestação final: Muito necessário!

Roani Rock

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Gravadora: Columbia Records
Data de lançamento: 19/06/2020

Gênero: Folk Rock
País: Estados Unidos

Dylan lançou inesperadamente uma épica canção de 17 minutos, Murder Most Foul. A canção lançada em 27 de março que traz uma novidade de Dylan em 8 anos sem lançar algo novo, traz uma base constituída de piano, teclado e um violino, além dos pratos da bateria usados apenas de forma climática, tudo flutuando em três acordes, tensão e repouso, para sua voz declamar memórias e reflexões a partir do assassinato de Kennedy. A música ficou em primeiro lugar na Billboard e essa foi estranhamente a primeira vez que Dylan conseguiu tal feito.

A música não possui nem refrão nem se sabe se dá pra dizer que é dividida em partes, parece um texto de memórias bem presente discorrido com breves pausas. Dylan é um sobrevivente e testemunha da história. Depois de lembrar do “dia sombrio em Dallas, novembro de 63, um dia que viverá na infâmia. em seguida traz a esperança, “Silêncio, filhinhos. Vocês vão entender. Os Beatles estão chegando; eles vão segurar sua mão”, diz sobre os rapazes de Liverpool aos quais ensinou como fumar um bom baseado e foi grande amigo e influência.

Para mim, não é nostálgica. Não penso em Murder Most Foul como uma glorificação do passado ou algum tipo de despedida para uma época perdida. A música fala comigo nesse momento. E sempre falou, especialmente quando eu estava escrevendo a letra.

Dylan ao New York Times

Dylan em 2016 foi contemplado com o premio Nobel de Literatura, acredito que possamos começar a desabrochar o disco a partir deste fato, até porque, um estímulo desse deve afetar até a criatividade de um gênio que estava se restringindo a fazer regravações de jazz e gospel. Em Rough And Rowdy Ways o músico traz o de costume: transes e hinos, blues desafiadores, anseios de amor, justaposições cômicas, brincadeiras com jogo de palavras, fervor patriótico, resistência rebelde, cubismo lírico, reflexões do fim da vida e satisfação espiritual.

O disco é um tributo melancólico ao passado e um desesperançoso presente a quem Dylan só dá certeza da morte. Pegue como exemplo Mother of Muses, um hino ao mundo natural, aos coros de igrejas e a militares como William Tecumseh Sherman e George Patton, “que abriram caminho para Presley cantar / que abriram caminho para Martin Luther King” diria o músico em sua entrevista ao New York Times, a primeira e talvez a única que vá conceder. Há tambéma homenagem a “Ginsburg, Corso e Kerouac” os escritores da contracultura.

A primeira música do disco, I Countain Multitudes, Dylan traz a impactante frase “Eu durmo com a vida e a morte na mesma cama.” Quando perguntado sobre, ele fala que quando escreveu a música pensou na morte da raça humana. Mas a faixa não é mórbida, I Contain Multitudes é surpreendentemente autobiográfica em partes e possui em seus dois últimos versos um estoicismo de não ligar para os outros, enquanto o resto da música tem um tom confessional e bem-humorado. O título da nova canção faz menção ao poema de Walt Whitman, Song of Myself e a letra da música cita figuras da cultura pop, como os Rolling Stones, Indiana Jones (sim, o personagem), Anne Frank e Edgar Allan Poe.

Na faixa seguinte, um suposto plágio chamado False Prophet, ele fala “Eu sou o último dos melhores – você pode enterrar o resto”, podem achar presunção ou ego, mas é mais uma fez o questionamento e analise de que a morte não é algo que possa ser vencido e o que pode ser feito é seguir vivendo. Ela possui o arranjo similar ao de um blues de Billy ”The Kid” Emerson lançado em 1958, mas como bem pontuou Ivan Finnoti, da Folha de São Paulo no podcast do expresso Ilustrada, os músicos folk terminam se repetindo e que provavelmente não foi intencional. Ele termina retornando a outra joia pouco notada em busca de inspiração.

Na acelerada Goodbye Jimmy Reed, Dylan homenageia o bluesman do Mississippi citado no título, com riffs de gaita ferozes e letras obscenas. Ele foi super influente pelo uso da distorção de guitarras no blues. Já na lenta mas trambém blueseira Crossing the Rubicon, ele sente “os ossos sob a pele” e considera suas opções antes da morte: “Três milhas ao norte do purgatório – a um passo do grande além / eu rezei diante da cruz e beijei as meninas, e eu cruzei o Rubicon.

A filosófica Key West (Philosopher Pirate) também está lá, uma meditação etérea sobre a imortalidade, situada em uma viagem de carro na Rota 1 até o arquipélago Florida Keys, com o acordeão de Donnie Herron canalizando Garth Hudson, do grupo The Band. Ser uma balda tão peculiar faz rever outros pontos do álbum que poderiam passar despercebidos, mas a genialidade de Dylan é gritante no minimalismo do álbum, então músicas como My Own Version Of You, Mother Of Muses e I’ve Made Up My Mind To Give Myself To You, tem seu prestígio pela sutileza na voz áspera e cansada do mítico Dylan.

Voltando a falar da música mais marcante e pesada do álbum, Murder Must Full, que possui 17 minutos (!). É interessante nela ter até uma menção a dois membros do Eagles, Don Henley e Glenn Frey é uma surpresa para muita gente. Art Pepper, Charlie Parker, Bud Powell, Thelonious Monk, Oscar Peterson e Stan Getz trazendo as aspirações do Jazz na vida de Dylan. Essa música talvez seja a mais biográfica de toda carreira dele. Ainda sobra espaço para falar do show dos Rolling Stones em Altamonte que rendeu o filme Sympathy For The Devil e que desmoralizou fortemente o movimento hippie. Ele usa de brincadeira no final que o DJ após tocar todos os artistas citados também deveria tocar a Murder Must Full.

O disco tem que ser encarado da forma que é, um disco não vendável e super expressivo. Não vai ser tão revolucionário quanto o Blackstar do Bowie, mas se trata de disco que reflete os tempos, não o atual, mas que de certa forma soa bem atual vendo que o ser humano tem conservado valores e formas de agir, então se mantêm importante.

O Dylan ter lançado um disco sobre os anos 60 em pleno 2020 conversa tanto com o presente que por exemplo, a faixa Hurricane de 1976 que tem em seus versos: “Em Paterson, é assim que as coisas acontecem / Se você é negro, é melhor não aparecer na rua / A menos que queira chamar atenção”. Certamente poderia ter sido composta um dia após a morte de George Floyd. Então vale frisar, Dylan nunca foi de trazer discos com músicas bonitas, apesar de ter composto varias, em seus álbuns, sempre há a contestação, acidez, tiração de sarro de maneira inteligente e certamente reflexões, são discos para se refletir.

Nota final: 9/10

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