25 Anos de Amorica: A conspiração do Black Crowes

Por Roani Rock

Tão ousado e desorganizado, sincero e pessoal como o próprio rock & roll, Amorica bate de frente com os Black Crowes se encontrando. 

revista Rolling Stone 1994

Lançamento: 1 de novembro de 1994

Gravadora: BMG Ariola

25 anos são o suficiente para acontecer uma vida inteira. É um tempo produtivo ou improdutivo, a escolha é sua. Pode trazer a história de um homem arrogante que curtiu uma vida regada das maiores luxúrias ou um outro ser humano centrado que pode ter se dedicado ao talento, mas ao mesmo tempo caindo nas tentações de excessos, principalmente de drogas e trabalho.

Válido frisar que ainda tem a questão da briga de egos. A ira incontrolável, principalmente se estes perfis citados anteriormente forem os de irmãos e houver a conhecida simbiling rivalry (rivalidade entre irmãos). Quando esses seres de presenças tão fortes estão na mesma banda então, é melhor sair de perto para não ser acertado no fogo cruzado. Uma encarnação do desenho animado dos corvos Faísca e Fumaça –como os Black Crowes ficaram conhecidos aqui.

25 anos são o suficiente, você ver relacionamentos se formando e acabando, crianças chegando para a família, morte de amigos. E para o aniversário do álbum Amorica ainda caberia ao tempo mostrar que apesar de vários pecados e percalços, sobra espaço para o perdão, vigente a situações que a vida trouxe. Seja por interesse ou simplesmente intuição de um recomeço, o velho jeito de tocar talvez caiba bem para caras muito bem vividos.

Essa introdução talvez seja importante para enfatizar não só o vigésimo quinto aniversário de um dos melhores trabalhos dos anos 90, mas também, o Black Crowes, que por acaso estão a menos de uma semana anunciando a volta, ao menos com os irmão Robinson que não se falavam fazia seis anos mesmo tempo de separação da banda.

Sem esses irmãos vindos de Atlanta não existiria o porque de comemorar o Amorica, o primeirão Shake your Money Maker – que ano que vem celebra 30 anos ganhando uma turnê – ou qualquer outro álbum do Black Crowes. Claramente as figuras até aqui faladas são os protagonistas de toda a história do Crowes, sem eles está mais do que comprovado que a banda não teria chance de voltar ou se quer ter existido.

Longe de mim dizer que o tempo foi amargo e ruim para esses caras, muito pelo contrário, no quesito artístico, Chris Robinson que é o vocalista, aprendeu a tocar guitarra e tanto com o New Earth Mud e com o Chris Robinson Brotherwood trouxe trabalhos exemplares, diria até sem defeitos frente a suas propostas. Rich também não ficou pra traz e em seu trabalho solo trouxe bastante brilho repleto de riffs característicos e uma alma folk tão peculiar em suas composições, principalmente se revisitarmos o Amorica.

Enquanto Chris ia na linha psicodélica do Greateful Dead, Rich caminhou por sons diferentes e firmou a voz além dos riffs, coisa que um fã apenas do Black Crowes não estava acostumado. Entretanto, ambos os trabalhos soam diferentes do Crowes. Isso, até que Rich forma a banda The Magpie Salute com ex-membros do Black Crowes e um vocalista que é a perfeita versão negra do irmão. Qual o repertório? O que tocavam com a antiga banda nos últimos anos com a adição de dois singles autorais no máximo.

Chris viu isso acontecer e não se sabe se foi por inveja ou saudosismo, mas juntou um par de caras para fazer shows cantando os sons que o consagraram, isso neste ano de 2019 inclusive. Ano em que o terceiro álbum da história dos corvos, lançado em 1994, completa 25 anos. A presença destes na mídia novamente fez efervescer a vontade de ver o Black Crowes juntos ou ao menos de se ouvir as músicas de novo na voz de Chris e guitarra de Rich.

A banda que podemos considerar o principal expoente do Southern Rock americano ainda em atividade, com os seus principais membros vivos fez bastante barulho na década de 90 com uma presença forte, opiniões igualmente e a atividade no palco cheia de atitude combinando com os riffs de músicas superpoderosas viraram marca registrada.

Chris & Rich Rbinson

Em 94 eles eram reis, o berro rejuvenescido do Classic Rock. Estavam colhendo os frutos do álbum The Southern Harmony and Musical Companion, para muitos o melhor dos caras de Atlanta. Eles não tinham que mostrar mais nada para o mundo, mas talvez para eles mesmos. E em função disso ocorreram mudanças sonoras significativas que discorreremos no texto.

Talvez este seja o álbum mais determinante para a continuidade da carreira de uma banda. Amorica gerou conflitos e uma senhora polêmica. A banda entra no ano de 1993 com a ideia de trabalhar em um novo projeto, o qual seria batizado de Tall. Entretanto, dissensões entre os irmãos Robinson deram cabo no tal projeto. no processo são amparados por Marc Ford (guitarra), Steve Gorman (bateria), Johnny Colt (baixo) e Eddie Harsch (teclados) e algumas participações especiais: Jimmy “two fingers” Ashurst no bandolim; Eric Bobo (Cypress Hill) na percussão e Bruce Kaphan (American Music Club) no pedal steel.

Amorica foi lançado em 1994 através da America Recordings com extrema polêmica. A controversa capa trazia a fotografia de uma modelo em pé com foco na parte de baixo de um biquíni que ela usava, estampado com a bandeira estadunidense e com parte dos pelos pubianos da moça a mostra. A foto é conhecida, havia sido usada como capa da revista pornográfica Hustler, em sua edição de julho de 1976. Para que as vendas do álbum não fossem severamente prejudicadas, a capa teve alterações. O biquíni com a estampa permaneceu, mas agora em um fundo preto e sem a modelo.

Músicas como A Conspirancy tiveram sua superpotência bruta assegurada por Chris Robinson, o uso de wah-wah na guitarra e a escala usada pela seção de cordas da banda fizeram a canção ter reforçada a influência alternativa que a banda carregava. Até s baladas receberam neste álbum o devido tratamento de riffs e acordes. Mas não pense que só tem o Chris e guitarras em destaque da mesma forma que ocorreu no Shake your money maker.

Na faixa de abertura Gone o baterista Steve Gorman lida com sincopações cruéis do tipo que John Bonham patenteou e para acompanha-lo, a percussão de essência caribenha e os teclados em órgão de Eddie Harsch também ajudaram os Crowes a agirem de maneira branda e brutal. Gone também traz o primeiro deslumbre de compositor de Chris. O vocalista traz aspectos de irritação, nervosismo, teimosia. Um desejo incipiente de libertação: “Quero que você me queime, baby …. Cubra seus olhos com minhas cinzas / Vamos lá, por que você não ora por mim / Sente-se e assista minha centelha divina brilhar”.

Depois de vir A Conspirancy como cargo chefe de hit imediato, High Head Blues mostra uma nova cara para os desavisados, uma faixa diria até de outro mundo, basta ver o clipe que faz uma uma menção a abdução alienígena. Neste ato, a percussão de Eric Bobo que obtém um ritmo baixo, uma garantia relaxada que a música compartilha com a folk Wiser Time, que recebe o seu pedal de aço fornecido por Bruce Kaphan. É uma faixa animada e divertida que lembra Eric Burdon & War.

Cursed Diamond é uma pedra preciosa, cheia de instrumental a medida que é tocada, com belos slides, piano e um riff cru e sujo no refrão. É outro confessionário de Chris Robinson tem a forte frase “Eu me odeio mas todo mundo não se odeia“, ainda traz certa melancolia “Então digo pra mim mesmo que é tudo imaginação, então eu deixo o veneno fluir, porque eu sempre sei que vai estar lá por mim”

O piano elétrico e a interação violenta de Rich Robinson e Marc Ford movem She Gave Good Sunflower mais próximo do Rod Stewart / Ron Wood, talvez a canção mais Faces que a banda já compôs na vida O que muitos podem considerar como um demérito. Isso leva ao único clunker real, P. 25 London , um roqueiro arruinado por um coro ala Alice Cooper “ Salvadores de garrafas vazias que rastejam … Há um ninho de vespas na minha cabeça ”.

Musicalmente, o The Black Crowes alcançou o ápice de sua ousadia musical. Sem se desprender de seu estilo norteador, o Blues/Rock, o grupo mostrou que pode muito bem amalgamar vários elementos em uma única sonoridade consistente e fluente. O Amorica é o magnum opus da banda, uma sonoridade estradeira, empoeirada mais pelo acúmulo de quilômetros rodados do que pela passagem do tempo. Wiser Time que é outra canção de extremo bom gosto mostra a versatilidade, principalmente pelos irmão cantarem ela juntos.

Após Downtown Money Waster, outra balada que funciona mais como uma conexão ou uma música coringa, chega o verdadeiro gran finale, a faixa Descending que se não for a melhor faixa já escrita pela banda, ao menos conseguiu o topo da mais bonita. Tem destaque para todos os membros da banda, Chris traz uma performance arrepiante, Rich apresenta sua facilidade em fazer bons arranjos com o slide guitar em companhia a Bruce Kaphan. O piano sutil e ao mesmo tempo contagiante de Eddie Harsh é de fazer escorrer lagrimas, em um show certamente nem o mais machão conseguiria se conter.

Houve quem estranhasse a salada musical proposta pelo The Black Crowes na época. Mas era de se esperar que uma banda que consegue ser afastada de uma turnê com ZZ Top, banda com sonoridade próxima, para logo em seguida entrar em outra com Metallica e Motley Crue não tenha medo de nada. Comercialmente, Amorica alcançou Disco de Ouro nos Estados Unidos. 5000 mil cópias, isso por si só representa o reconhecimento mundial e que nada mais seria igual.

A revista Rolling Stone termina sua review feita na época do lançamento com os dizeres:

Com sua arrogância intacta e sua inventividade musical progredindo, os Black Crowes estão evoluindo como as grandes bandas que respeitam. E esse respeito nada tem da reverência do arquivista, nem submissão ao seguidor. Por fim, os Crowes são roqueiros clássicos simplesmente em sua adoração profana ao groove.

Não poderia estar mais de acordo e me vejo na função de finalizar essa revisão de um clássico com os mesmos dizeres só que agora agradecendo por essa vitoriosa e representativa banda estar de volta.

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