Revisando Clássicos: AC/DC 40 anos da estrada de ida ao inferno

por Roani Rock

Para muitos o melhor álbum do AC/DC, para outros a despedida não anunciada de Bon Scott, para mim o disco que tem Touch Too Much e Night Prowller, isso basta

Roani Rock

Lançamento: 27 de julho de 1979
Gravadora: Epic Records

Esse texto vai ter muitas citações mas não se trata de um trabalho de conclusão de curso porque no rock ‘and’ Roll não se forma, ele te informa. Com um jargão tosco e sensacional desse precisamos falar sobre o quarentão Highway to Hell pra melhorar esse lance.

Fétido, indecente, nojento, poderoso, superpotente, puro rock ‘and’ Roll, a banda do cara que se veste de estudante empunhando uma SG. Essas são algumas características do AC/DC que certamente já eram comentadas nos anos setenta.

A essência da banda já havia sido criada nos discos High Voltage, Dirty Deeds Done Dirt Cheap, Let There Be Rock e Powerage. Tinha uma cozinha que sabia por pressão e balanço com o baixo e a bateria através de cliff williams e Phil Rudd. Tinha o potente vocal gritado de um louco, alto e bebado chamado Bon Scott e por fim eles tinham o que caracterizou a banda como a mais alta e agressiva sonoramente dentre todas daquela década, as guitarras dos irmãos Angus e Malcon Young. O que rendeu o álbum ao vivo If You Want Blood You’ve Got It que era a personificação do que tornou eles ameaçadores para as bandas consagradas na época.

Para o novo álbum, mesmo com todo o reconhecimento dado aos Australianos e crescimento do público, eles não estouravam nos EUA o que representa para um artista a consolidação do sucesso. “Conquistou a terra do tio Sam conquistou o mundo.” frase fácil de creditar a qualquer empresário musical. Olhando por esse lado, eles – por influencia de  Michael Klenfner, vice presidente da Atlantic – chamam o sul africano Robert Mutt Lange para o papel de produtor deixando o irmão George Young e o parceiro Harry Vanda de escanteio.

Fomos muito cautelosos em trabalhar com alguém novo. A gente se perguntava se existia alguém lá fora, além de George e Harry, que poderia realmente fazer justiça à nossa música.

Angus Young na edição de abril de 2003 da revista “Guitar World”

A ética de trabalho de Mutt combinou bem com o AC/DC e a banda aprendeu com suas técnicas. Foi árduo o trabalho porque nas palavras do próprio Angus em entrevista para Mojo, o novo produtor era muito meticuloso.

Interessante expressar que Mutt não era da primeira linha das produções como Eddie Kramer que chegou a ser cotado. Enquanto Kramer já havia trabalhado com o KISS, Led Zeppelin, Hendrix e Rolling Stones, até então, Mutt tinha em seu currículo – não tão empolgante – um hit chamado “Rat Trap“, de uma banda pouco conhecida, Boomtown Rats (liderada por um cara que ficaria famoso, Bob Geldof, futuro organizador do Live Aid).

Vamos ao Faixa-a-faixa:

Já sabemos que a superpotência ganhou uma superprodução aos moldes da indústria pop e como todo disco pop precisa da música de trabalho, Highway To Hell, a faixa título que abre o álbum, foi a escolhida. Um riff marcante e uma letra que abordava estar em uma tour com eles nos EUA especificamente.

Tudo que fizemos foi descrever o que era estar na estrada com a gente durante quatro anos, como havíamos estado. Muita parte era passada no ônibus e dentro de carros, excursionando, sem parar. Aí você saía do ônibus às quatro da manhã e um jornalista vinha perguntar, ‘como você chamaria uma turnê do AC/DC?’ Bem, era uma estrada para o inferno. Realmente era. Quando você está dormindo com as meias do vocalista a duas polegadas do seu nariz, isso é bem próximo do inferno.

Angus em 1993

As palavras de “Highway to Hell” assumiram uma nova ressonância quando Scott bebeu até a morte em 1980. Steve Huey, da AllMusic , analisa:

As letras mostravam uma independência feroz e teimosa por sua escolha de estilo de vida (“Não peça nada, me deixa“; “ninguém vai me atrasar“), mas não é realmente solidão (do inferno: “desce! Hora da festa! Todos meus amigos estarão lá“). É irônico que Scott pareça mais vivo quando enfrenta a morte com a bravata destemida de “Highway to Hell”, mas é inegavelmente verdade, especialmente dada a sua performance positivamente desequilibrada. A fealdade sem instrução de sua voz; a brincadeira com a qual ele usou isso a seu favor; os gemidos, grunhidos, gritos e arranhões – todas essas qualidades se combinam para dar à música um entusiasmo desenfreado, sem o qual ela pode assumir um ar de ambivalência.

a segunda faixa é Girls Got Rhythm. A Louder Sound reuniu depoimentos de vários nomes do Rock and Roll que revelaram suas músicas favoritas do disco e Jimmy Chamberlin, do Smashing Pumpkins, escolheu justamente ela:

Essa música é o pacote completo. O riff, o ritmo, o groove (Phil Rudd!), tudo soma para uma segunda canção explosiva. O legado do AC/DC reina supremo no Rock and Roll. A maneira como o vocal se encaixa na seção rítmica é tão incrível. Tanto Bon quanto Brian tiveram aquela incrível potência vocal que realmente impulsionou a banda ritmicamente. Para mim, é uma grande parte do que diferencia o AC/DC de todos os outros.

Walk All Over You é outra portadora da brutalidade, sua letra fala do anseio de um cara em conquistar uma mulher, nenhuma novidade, mas o AC/DC precisa de alguma? É um booguie Blues lindo para oferecer a sua ficante. Pesado de mais para homenagear uma namorada ou esposa. haha

Britt Daniel do Spoon comentou sobre o álbum e a presença do produtor Mutt na nossa faixa seguinte Touch To Much.

Highway to Hell’ é o primeiro disco em que eles deixaram de ter a produção de seu irmão, George, para trabalhar com Mutt Lange, às vezes com um grande impacto e às vezes nem tanto. Eu sinto falta de parte da bagunça que eles deixaram de lado neste álbum — o novo som entrou em foco total em ‘Back In Black’. Você pode realmente ouvir a influência de Mutt em músicas como ‘Touch Too Much’, onde o próprio Mutt canta harmonias para o vocal principal do Bon Scott, chegando a um som que nenhum outro álbum do AC/DC havia chego antes. Ele realmente soa como um disco do Def Leppard produzido por Mutt de três ou quatro anos depois.

Certamente o AC/DC entra num caminho profissional nessa altura da jornada. Touch to Much é a preferida desse que vos escreve e é uma verdadeira porrada.

Beating Around the Bush e Get It Hot podem ser as faixas menos lembradas não só do disco como também dentre todas da melhor fase dos Australianos. Mas é o rock cru que tanto amamos que ia na onda do punk, tão popular na época.

Com Shot Down in Flames já acontece algo diferente, essa é hit e sua letra sexual e sarcástica é o motor para sua apreciação até os dias de hoje.

A história de Bon é a história de uma grande queda, mas, para além do estilo “viva rápido, tome todas e tudo“, é possível projetar em algumas das canções dele até mesmo uma percepção do empoderamento feminino: seja no “ritmo de banco de trás do carro” de “Girl’s Got Rhythm“, ou em “Touch Too Much“, que fala de uma mulher que, dona de seus impulsos sexuais, deixa o cantor/narrador “maluco” (“insane”, no original). 

artigo da Kerrang! sobre o álbum Highway To Hell

If You Want Blood (You’ve Got It) e Love Hungry Man são ótimas e conseguem manter a pecada pra frente e bruta de todo álbum e por fim temos a canção mais devastadora possível, Night Prowler.

Ela é devastadora, e não é um elogio, ela causou situações desagradáveis para a banda. Quando Ricardo Leyva Muñoz Ramírez, um assassino, se disse fã do AC/DC já estava complicado e, de acordo com fontes policiais, este vestia a camiseta da banda quando cometia alguns dos crimes, chegando a deixar um boné da banda no local de um dos crimes foi o amargo que faltava. A canção Night Prowler, que descreve a entrada sorrateira noturna no quarto de uma mulher, era, alegadamente, a canção favorita de Ramírez e contribuiu para a sua alcunha “Night Stalker”.

Anos mais tarde, o incidente foi descrito na edição do AC/DC no programa da VH1, “Behind the Music”. A banda explicou que, embora a canção tivesse adquirido uma conotação negativa associada aos homicídios, na realidade era sobre um rapaz que entrava, às escondidas, no quarto da namorada, sem os pais dela saberem.

Lançado no verão de 1979, Highway To Hell se tornou o primeiro álbum do AC/DC a alcançar o Top 20 da parada de álbuns da Billboard e a faixa título marcou sua primeira aparição na pesquisa Hot 100 da revista. Ele também se tornou o terceiro álbum Top 20 da banda em sua terra natal e seu primeiro Top 10 na Inglaterra. 

Certamente, o álbum foi gigante, catapultou a banda para o nível mais alto do panteão do rock, mal sabíamos que nele teriam os últimos gritos de Bon Scott. Ele morreu menos de um ano do lançamento do álbum por decorrência de excesso de álcool que causou coma no banco de trás de um Renault 5, em Overhill Road uma estrada localizada em East Dulwich. Ele não teve chance de participar da produção do sucessor Back In Black.

Graças ao apoio da família de Bon, o AC/DC se reergueu encontrou o grande vocalista Brian Johnson e fez o álbum tributo pela memória do antigo vocalista, que representou a consagração máxima da banda em termos de vedas fazendo eles ficarem atrás apenas do Thriller do Michael Jackson em certos momentos.

Com a morte de Bon Scott ficou sempre um misticismo quanto ao Back In Back. Será que se ele ainda estivesse vivo as canções atingiriam o mesmo grau de adoração? Será que as letras dele seriam similares as que tiveram na presença de Brian Johnson? A verdade é que nunca saberemos. O que fica evidente é que o AC/DC conseguiu se manter no topo com outro excelente vocalista sempre lembrando do amigo que os deixou. Highway To Hell foi o último presente de Bon aos fãs e para todos aqueles que gostam e tocam rock ‘and’ Roll, sintam-se saudados.

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