NIRVANA – Estamos aqui agora, nos entretenha!

Por Lucas Santos e Roani Rock

Ligue os motores do Delorean, e vamos voltar à década de 90. Seria um sacrilégio não relembrar de uma das bandas que se dispensa apresentação, o Nirvana. O momento é oportuno, vale frisar que foram os últimos a fazer um novo som trazer o rock de volta a popularidade e é preciso dizer que no fim de Março completou-se 25 anos da morte do líder da banda. Motivos suficientes para falar do Nirvana têm de sobra.

Apesar de tudo de importante que fizeram, eles são mais comentados pela trágica morte e vida de Kurt Cobain. A energia, o sujo, o melancólico, o agressivo e moderno som dos caras, além é claro, de sua representatividade histórica ficam em segundo plano, o que é um erro.

O Nirvana que popularizou um movimento de bandas que surgiu em Seattle denominado pela grande mídia como Grunge é muito mais do que apenas uma banda consagrada do panteão do rock e queremos deixar isso explicitado numa analise frente a curta – e até por conta disso – irretocável discografia deles.

Bleach (1989)

Como quase todos os primeiros álbuns, Bleach, não poderia ser diferente: cru, energético, sincero, essencial. Chama a atenção como a maioria das pessoas chegou a ele. Quebrando a regra cronológica, mas seguindo a lógica de mercado, a maioria esmagadora conheceu o Nirvana através do Nevermind. Porém em 1989, em passos e proporções menores, a revolução em Seattle já estava começando.

A banda já contava com Kurt e Krist, mas esse é o único álbum com Chad Channing na bateria e possui ainda Jason Everman creditado como segundo guitarrista. Estranho fato é que ele não participou de nenhuma música do disco, o crédito foi dado por seu financiamento de míseros US$ 606,17. Na época Jason ficou impressionado com a demo e junto a Dale Crover decidiu financiar a gravação. O álbum demorou 30 horas para ser gravado.

Uma característica marcante das composições do primeiro disco é que antes dos arranjos extremamente grudentos de Nervermind, Bleach – que também possui arranjos assim, mas não como seu sucessor – mostra a banda mais experimental, mais pesada e mais verdadeira. Exemplos como Blew, Papers Cuts e Big Cheese ilustram isso. School e About a Girl se tornaram as músicas favoritas de Dave Grohl antes de ser membro da banda.

Em 1993, Cobain contou, à revista Spin, que, em Bleach, ele “não deu a mínima para o significado das letras”, e afirmou que 80% das letras foram escritas na noite anterior à gravação. Ele, muitas vezes, trabalhava nas letras no caminho para o estúdio.

A verdade é que Bleach não fez sucesso comercial antes do Nevermind, vendeu apenas 40 mil cópias nos USA antes do lançamento do seu sucessor. Após 1991 a gravadora Sub Pop o relançou e o álbum chegou a quase 2 milhões de unidades vendidas só nos EUA.

Bleach mostra todo o potencial atingido posteriormente pela banda. Da sujeira nas guitarras, do som cru, liderado pela incrível voz de Kurt, foi essencial e indispensável para entender o que o Nirvana se tornou em seguida.

Nevermind (1991)


O que dizer sobre o Nevermind que ainda nao foi dito ao longos dos 28 anos desde o lançamento do álbum? Nevermind é um daqueles eventos raros que acontecem na música. É coerente dizer que o álbum mudou não só a indústria musical, mas o mundo. Além de remar em direção oposta de tudo aquilo que era popular na época, botou no mapa e nas paradas, a cena grunge de Seattle.

Depois do lançamento de Bleach, Kurt Cobain estava ansiando por algo diferente. Influenciado pelo som dos Pixies, Kurt estava confiante em ceder-se a um som mais pop. Durante o processo de criação de clássico, que posteriormente fariam parte do álbum como – In Bloom, Breed, Lithium, Stay Away – houve divergências sobre o estilo de bateria de Channing. O que consequentemente levou a separação do baterista da banda, culminando na entrada de Dave Grohl. Bem, o tempo nos mostrou que essa foi a decisão mais acertada que a banda poderia ter tomado. Dave mostrou ser um monstro nas baquetas, com um estilo que influenciou milhares de bateristas posteriormente, além de suas participações importantíssimas nos backing vocals. Era a ferramente que faltava para conquistarem o mundo.

Quanto ao conteúdo lírico, algumas se juntaram no último minuto. Grohl disse que Cobain falou com ele em uma conversa: “A música vem em primeiro lugar e a letra vem em segundo lugar“. Como tal, a banda se concentrou mais em melodias, com as letras em um tempo difícil de entender.“Mesmo que você não pudesse dizer o que ele estava cantando, você sabia que era tão intenso quanto o inferno.” DisseButch Vig, guitarrista do Garbage e produtor de Nevermind.

O sucesso foi, e ainda é, imensurável. Apesar da baixa expectativa de vendas por parte da banda e da gravadora, Nevermind se tornou um surpreendente sucesso ao final de 1991, em grande parte devido à popularidade de seu primeiro single Smells Like Teen Spirit. Como não esquecer a entrada de bateria de Grohl e o estranho vídeo clipe que passou dia e noite na MTV. A faixa se tornou um sucesso e alavancou outras bandas do mesmo movimento a fazerem mais barulho no rádio. Em um ano, boa parte do Glam Metal e do Hard Rock, que comandava as ondas de rádio, estava sendo eliminada em favor do Grunge.

“As feridas de Kurt eram tão profundas que quando a música flutuava até a superfície depois de ter sido filtrada pela sua alma era algo incorpóreo.” Steven Tyler

Nevermind foi o último álbum que teve um estrondoso impacto na indústria do rock. Transformou Cobain em semi deus. Em 1999, foi certificado como Diamond por 10 milhões de unidades vendidas. O Nirvana entrou no Hall da Fama do Rock and Roll em 2014, graças em grande parte ao sucesso dele.

In Utero (1993)

In Utero é o último disco de estúdio com a banda em atividade lançado pelo Nirvana. Neste período a banda sofreu umas mudanças importantes e a principal delas foi a entrada do guitarrista Pat Smear.

“Quando Pat Smear se juntou à banda, tudo mudou. Nós passamos de malucos sujos e mal-humorados, para crianças novamente. Aquilo mudou o nosso mundo, porque Pat é a pessoa mais doce do planeta. Ele ficou muito próximo de Kurt e aconteceram muitas risadas.” diria Dave Grohl em entrevista.

Mas não pense que esse clima fez as músicas do Nirvana tomarem outro direcionamento. As composições de Kurt Cobain continuavam tendo a linha existencialista e depressiva. Principalmente pelo fato de agora o líder ter que lidar com as rusgas do sucesso.

Dany Goldberg, empresário do Nirvana e escritor de uma das várias biografias sobre Kurt, chegou a falar sobre o posicionamento de Cobain as temáticas de suas canções “Ele estava determinado a subverter os clichês do frontman machista e transmitir uma maneira sensível e compassiva através de um rock de muita força“.

In Utero trouxe Kurt e seus companheiros com maior rodagem, mas nenhuma pretensão pop. Experientes mas com certo desgosto pela fama, com Kurt vivendo um relacionamento de amor e drogas com a líder do Hole, Courtney Love, em um local insalubre. Certamente este fato específico influenciou a cabeça perturbada de Kurt a compor esse material.

Há duas perspectivas diferentes e misturadas no tipo de som dos anos 90: a ideia de desapego irônico e depois, a ideia de uma música muito séria e angustiada. Segundo Billy Corgan do Smashing Pumpkins em entrevista para um programa da Build, “Ninguém era melhor nesse equilíbrio do que o Nirvana”.

Eles fugiram totalmente do que foi o Nevermind trazendo algo mais violento. A começar por enfim sermos capazes de escutar a faixa Rape Me em sua versão de estúdio.

Se Smells Like Teen Spirit teve um vídeo que marcou uma geração inteira de forma impressionante seria justo afirmar que o vídeo que chegou mais próximo de um impacto parecido foi o de HeartShaped Box com um ar psicodélico e incomodo, com uma crucificação e várias analogias fortes.

Para muitos fãs é o melhor álbum da banda. É um trabalho agoniante contendo músicas como Milk It, a debochada Radio Friendly Unit Shifter, Very Ape, o hit All Apologies, faixas que renderam para o Nirvana o grammy de melhor álbum de rock alternativo.

Bônus: Unplugged MTV (1994)

A cadência das músicas do Nirvana são basicamente as mesmas, com um clímax sombrio e poderoso. Não era de se crer que a sujeira das guitarras distorcidas poderiam ficar de fora em algum trabalho deles. Até as baladas precisavam do up dos grunhidos dos pedais das guitarras. Então era incrédula a possibilidade do Nirvana gravar um unplugged para a MTV. Mas, como Kurt e sua trupe não eram de seguir regras, eis que surgiu a oportunidade e como de praxe tornaram a apresentação em algo de proporções maiores.

“Kurt entrou na sala de controle e disse para mim e para a diretora Beth McCarthy: ‘Vocês sabem, minha esposa diz que eu não sorrio o suficiente, então, tente tirar uma foto minha sorrindo’. No final da 1ª canção, ‘About a Girl’, ele faz esse tipo de sorriso careta, que eu acho que foi do tipo: ‘Pronto, aqui está!'” disse Alex Coletti, produtor do acústico gravado em 1993.

“Kurt perguntou se podíamos pegar alguns lírios e eu não tinha certeza do tipo de flores que a MTV queria. Ele disse: ‘Você sabe, como em um funeral’, e eu disse: ‘Ah, sim, os brancos… Claro, nós vamos providenciar’. Na hora não pareceu de forma alguma um prenúncio, mas me impressionou depois do fato de que essa foi uma das poucas coisas que ele me disse. Obviamente, não sabíamos na época o que estava por vir depois daquele show”. concluiu o produtor.

Essa ambientação do palco, em um formato de funeral com lírios e luz de velas foi providencial para que o público capitasse a energia do set list. Comentado até hoje, hits tipo Come As You Are ficam em segundo plano frente a interpretações de alguns covers.

How do you Sleep Last Night? é o tipo de canção inesperada e intensa que arrepia até a alma. The Man Who Sold The World é uma música lado b do David Bowie que certamente passava despercebida até que o Nirvana resolveu toca-la nesse show. Eles popularizaram uma canção do Bowie fazendo ela voltar aos sets do britânico. A inclusão da música é um agradecimento de Kurt ao novo guitarrista Pat Smears. Cobain sabia que Pat era um fã de carteirinha do cantor inglês. “Tinha acabado de entrar para a banda e foi a primeira vez que me senti parte dela”, afirmou Smears ao NME.

Esse talvez tenha sido o trabalho mais colaborativo e experimental da banda de Seattle por nos apresentar por exemplo um Krist Novaselic tocando um acordeon. eles ainda tiveram a presença de membros do Meat Puppets os irmãos Cris e Curt Kirkwood (guitarrista/ vocalista e baixista, respectivamente) e a violoncelista Lori Goldston. Essa galera tocou em três músicas do álbum Meat Puppets II: Plateau, Oh Me, Lake of Fire.

Teve alguns momentos de tensão na apresentação também. Dave não consegui tocar a bateria de uma forma suave que agradace Kurt. em entrevista a NME relembra, “Mal estou a tocar na bateria, devo mesmo tocá-la?”. Logo ele que estava a anos sentando a mão na bateria destruindo algumas no caminho era claramente no mínimo desconfortável para o brilhante baterista. “Duas horas antes do que era suposto começar, o produtor perguntou-me se eu já tinha usado umas baquetas especiais que faziam menos barulho e eu disse que não. Juro que no momento em que ele me pôs aquilo nas mãos, mudou o sentido da noite toda. Soa ridículo, mas tudo foi ao seu lugar depois disso”.

A performance do Nirvana no acústico da MTV foi realizada em novembro de 1993. Kurt Cobain faleceu em abril de 1994 e a MTV liberou a apresentação contínua na TV. O álbum só foi lançado em novembro de 1994.

O MTV Unplugged In New York, editado em Novembro de 1994, é o primeiro álbum do Nirvana lançado após a morte do vocalista. Três anos depois do lançamento, tinha vendido 5 milhões de exemplares só nos Estados Unidos. Venceu o Grammy de Melhor Álbum Alternativo em 1996.

O LEGADO

O legado do Nirvana segue intacto. Foo Fighters e outros grandes nomes como Strokes, Breed, The Vines, Ride mantiveram o barulho e energia nas canções. Agora, contemporâneos do movimento grunge também passaram pela trágica morte por decorrência de suicídio de seus membros. O que Cobain deixou de alerta sendo o primeiro foi intensificado com a partida de Layne Staley do Alice In Chains em 2002 e recentemente por Chris Cornell em 2017 tem que ser amplificado para que não possamos perder mais ídolos e nos restarem só as canções.

O Nirvana é eterno, vide o reencontro no festival Call Jam do Dave Grohl onde a Joan Jett e John McAuley, do Deer Tick assumiram os vocais em 2014 sem contar a poderosa música Cut Me Some Slack que Pat Smear, Grohl e Krist gravaram com Paul McCartney.

Como Dave Grohl já colocou, tocar esse material se tornou algo espiritual e não se pode esperar que o Foo Fighters fique tocando sempre essas músicas ou que Novaselic saia de sua casa para fazer covers, seria até de certo modo um desrespeito. Os anos 90 são privilegiados por terem tido o NIRVANA só pra si.

Até a próxima!


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